Nísia Trindade Lima
Presidente da Fiocruz

A história da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) se confunde com o nascimento da saúde pública e com a constituição da nação e da república no Brasil. Desde sua criação, no início do Século passado, sob a liderança de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, dentre outros sanitaristas ícones da ciência brasileira, consolidou-se uma visão coletiva e nacional da saúde. A ciência teve um papel de destaque no conhecimento do Brasil e dos sertões que representavam o símbolo da força, da diversidade e do potencial da população em todo território nacional, contribuindo para conformar a identidade nacional e a própria noção de um povo e de uma república brasileira.

Nesse percurso, a inscrição da saúde como direito de todos e dever do Estado na Constituição de 1988 foi um marco que atualizou o projeto nacional para uma sociedade democrática e comprometida com as pessoas, a sociedade e a dimensão individual e coletiva da vida. O processo de Reforma Sanitária, que deu origem à nova Carta Magna, contou com a forte liderança de Sérgio Arouca, como presidente da Fiocruz, mais uma vez vinculando a Instituição a um novo projeto de país Saúde é democracia foi uma marca central da VIII Conferência Nacional de Saúde que forneceu as bases para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) como um projeto pioneiro e inovador, único no hemisfério sul, para criar o maior sistema universal do mundo em termos populacionais. O direito universal à saúde incluía toda população, não podendo haver mais qualquer distinção em função das condições de inserção das pessoas no mercado de trabalho, de gênero, raça, orientação sexual ou qualquer outra segmentação dos direitos, que sempre deveriam ser equânimes, de todos e de cada um de nós.

Atualizando seu projeto e preservando nosso compromisso com o bem-estar social e a democracia, a Fiocruz avança na visão que vincula a saúde ao padrão nacional de desenvolvimento, integrando as dimensões sociais e ambientais da saúde à dimensão econômica.

Nesse processo, foi desenvolvida, ao longo das duas últimas décadas, a visão do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), ressaltando a interdependência entre os direitos sociais, o bem-estar e a existência de uma base econômica, tecnológica e de inovação em saúde para dar sustentação ao acesso universal e ao direito à vida.

A pandemia da Covid-19 mostrou as raízes estruturais do direito à vida. Sem uma base econômica e produtiva para suprir as necessidades de vacinas, testes, ventiladores, serviços de atenção primária ou terapias intensivas não poderíamos cumprir nosso dever Constitucional.

No ano da pandemia, os interesses econômicos e as desigualdades globais no conhecimento representaram uma inaceitável desigualdade global, na qual países desenvolvidos possuíam quatro vezes mais vacinas do que sua população era capaz de consumir enquanto muitos países e a maior parte da população mundial não tinha acesso sequer à primeira dose.

A partir da formulação da visão incorporada no conceito do CEIS e da dramática experiência da Covid-19, não mais poderíamos separar as dimensões sociais e ambientais da saúde da dimensão econômica e, portanto, geopolítica.

Estar preparado e poder se antecipar na garantia dos direitos à saúde, seja em situações estáveis ou em meio aos surtos sanitários, epidêmicos ou pandêmicos, depende da possibilidade de o Estado avançar em uma estratégia de desenvolvimento em saúde, sem a qual não poderá cumprir seu dever constitucional.

Este livro marca a apresentação dos resultados de um vigoroso programa de pesquisa desenvolvido na Fundação Oswaldo Cruz que busca resgatar o elo entre economia e as demandas da sociedade, a partir do desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Diante de perspectivas diversas na abordagem de uma sociedade caracterizada tantas vezes por seus problemas e ausências, pelos seus “males”, os textos publicados neste livro resistem a qualquer tentativa determinística ou homogeneizadora, e apontam, a partir de um qualificado diagnostico, a importância estratégica da Saúde para a viabilidade de um novo projeto nacional de desenvolvimento.

Vários temas de altíssima relevância para o país são abordados de forma inovadora por reconhecidos especialistas nos seus respectivos assuntos a partir do campo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde: Estado, Território e Ambiente, CT&I, macroeconomia para o desenvolvimento, Mercado de trabalho, relações público-privadas, entre outros.

Ao lado de instigantes análises, os Capítulos reunidos no livro e que fazem parte de um projeto de desenvolvimento liderado pela Fundação Oswaldo Cruz nos últimos dois anos e meio em parceria com a UNICAMP e a UFRJ, além de mais uma dezena de instituições parceiras, trazem proposições estruturantes para o desenvolvimento de uma nova geração de políticas públicas, pretendendo contribuir para a reafirmação da viabilidade do Brasil como uma nação soberana, dinâmica, sustentável e comprometida com a vida.

Em seu conjunto, é um dos mais abrangentes, profundos e qualificados exercícios analíticos sobre o campo da economia política da saúde desenvolvido nos últimos anos para subsidiar um novo projeto nacional tão premente e tão necessário.

Um livro que certamente dará imensa contribuição ao debate público, elaborado de modo ágil na forma de uma publicação digital e de livre acesso. A saúde, a vida, o nosso futuro e o desenvolvimento têm pressa.

Boa leitura!

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