Texto para discussão – IPEA

Sérgio Francisco Piola
Fabiola Sulpino Vieira
Luciana Mendes Santos Servo
Edvaldo Batista de Sá
Rodrigo Pucci de Sá e Benevides

Conforme previsto na legislação básica do Sistema Único de Saúde (SUS) – Constituição Federal de 1988 (CF/1988) e Leis nos 8.080/1990 e 8.142/1990 –, as competências das três esferas de governo são, na sua quase totalidade, comuns ou compartilhadas. Esse compartilhamento acontece principalmente no tocante à administração da assistência à saúde, ainda que, conforme explicitado no art. 30, inciso VII da CF/1988, ao município é delegada, de forma mais direta e inequívoca, a responsabilidade pela prestação de serviços de assistência à saúde. Ademais, quando a Constituição trata da organização do sistema, uma de suas diretrizes é a descentralização “com direção única em cada esfera de governo” (Brasil, 1988, art. 198, inciso I).

A diretriz de descentralização ganhou força com o movimento municipalista das décadas de 1980 e 1990, sob o estímulo da democratização (Viana e Machado, 2009). A intensidade desse movimento fez com que a ênfase inicial na implantação do novo sistema se desse com foco no município. Muito se discutiu, nos primórdios da implantação do SUS, sobre a necessidade de ações coordenadas, em diversas situações, como foi o caso, por exemplo, do controle de endemias. Por sua vez, na área de assistência à saúde, a expansão dos serviços básicos para todos os municípios brasileiros começou a evidenciar a necessidade de melhorar a coordenação federativa a fim de propiciar o atendimento mais integral das necessidades de saúde da população, uma vez que os municípios, em sua grande maioria, não apresentam condições de serem completamente autônomos nessa missão. Iniciativas diversas, com maior ou menor adesão de estados e municípios, foram implementadas nesse sentido, sem conseguir uma resolução mais concreta do problema, como se verá mais adiante. Constituem esse grupo de ações, por exemplo, diversas normas operacionais do SUS, o Pacto pela Saúde, o Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde – Coap (Ouverney, Ribeiro e Moreira, 2017), que foram iniciativas do Ministério da Saúde (MS). Outras, como os consórcios municipais de saúde, tiveram sua implementação liderada pelos governos municipais, seguida, do apoio dos governos estaduais.

Recentemente, a crise política e econômica levou à antecipação da mudança na Presidência da República em 2016 e à adoção de uma agenda neoliberal, com a implantação do novo regime fiscal (Emenda Constitucional – EC no 95/2016). Com ele foi instituído o teto de gastos para o governo federal, o que levou à restrição nos gastos sociais. O governo empossado em 2019 manteve essa política de clara propensão à diminuição do papel do governo federal na área social, com a correspondente diminuição de sua participação no financiamento de diversas políticas públicas. Essa situação criou condições propícias ao aguçamento do conflito federativo, gerando comportamentos menos solidários no desenvolvimento de políticas públicas.

Apesar de todos os problemas enfrentados pelo SUS no combate à pandemia, amplamente divulgados pela imprensa, a crise sanitária trouxe uma oportunidade ímpar de reflexão e reconhecimento da importância da existência de um sistema público de saúde de acesso universal e atendimento integral.

O enfrentamento da pandemia também tornou bem visível a imperiosidade de se alcançar mais coordenação entre as Unidades Federadas para uma ação mais eficaz no campo da saúde, sobretudo para levar a uma parcela maior da população a tão almejada integralidade no atendimento. Ficou evidente também a necessidade de pontos de comunicação/articulação mais bem definidos entre os setores público e privado de saúde, sobretudo àquele que não presta atendimento pelo SUS.

Por fim, as discussões que envolveram questões relacionadas à proteção social e às políticas de saúde pautaram a inclusão de propostas gerais para essas áreas na agenda dos partidos políticos e das coalizões nas eleições de 2022. A coligação do presidente eleito apresentou algumas propostas imediatas para a área de saúde, mas enfrenta desafios para garantir o financiamento dessas ações. Até o momento, ainda não é possível saber qual será a relevância e a real ampliação da prioridade para o SUS no comportamento político do governo federal e dos governos estaduais recém-eleitos.

Este texto faz parte de um projeto de pesquisa mais abrangente, denominado Prioriza SUS, proposto pela equipe da Coordenação de Estudos e Pesquisas em Saúde e Assistência Social da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Cosas/Disoc/Ipea). O projeto tem por finalidade discutir os principais problemas estruturais do SUS e propor soluções para aqueles identificados como prioritários, constituindo uma agenda que promova o debate entre instituições do Estado e sociedade, visando à formulação e à implementação de políticas públicas para eliminá-los ou mitigá-los.

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