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Daniel Wei Liang Wang 
Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas – SP 

A judicialização da saúde é um fenômeno que tem sido objeto de muita atenção de gestores e acadêmicos. O volume de demandas cresceu exponencialmente nas últimas décadas, assim como o impacto de decisões judiciais sobre o orçamento da saúde. Além de ter crescido em volume, a judicialização também tem se interiorizado e começa a fazer parte da rotina de municípios de pequeno e médio porte.   

Contudo, as pesquisas e reflexões sobre o tema acabam se concentrando na judicialização contra União, governos estaduais e governos municipais das capitais. Esse viés limita a nossa compreensão do fenômeno, já que a judicialização da saúde pode ter características diferentes a depender do lugar. O perfil dos demandantes, das demandas e o impacto sobre a gestão podem ser muito diferentes de um estado ou de um município para outro.

Além do mais, a capacidade de resposta à judicialização também não é igual. Para um município pequeno, algumas poucas ações podem comprometer uma parcela significativa do seu orçamento da saúde. Da mesma maneira, é mais difícil para esses municípios adquirirem o conhecimento científico e jurídico para contestarem essas demandas ou os recursos necessários para preveni-las.   

Portanto, o pouco conhecimento da judicialização em âmbito municipal, sobretudo para municípios pequenos e médios, é uma lacuna relevante na lite-ratura sobre judicialização da saúde. Tentando suprir essa lacuna, o presente livro reúne textos que focam na judicialização da saúde nos municípios, tanto para descrever o fenômeno quanto para propor soluções para os impactos negativos que ele gera para o Sistema Único de Saúde (SUS).   

Os textos que compõem esse volume foram escolhidos por meio de um processo seletivo. Primeiramente, houve uma chamada pública para a submissão de um resumo. Os autores dos resumos selecionados foram, então, convidados a enviar um artigo completo. Esse modelo de chamada pública permitiu maior abrangência geográfica (quase todas as regiões do Brasil estão representadas), além de abrir espaço para divulgação de experiências muito ricas até então desconhecidas.   

Os capítulos foram divididos em três blocos. O primeiro bloco, “Diagnósticos”, reúne estudos de caso que fazem uma análise descritiva da judicialização da saúde em uma determinada localidade. São trabalhos que analisam dados como: número de ações impetradas por ano, taxa de sucesso dos pacientes nos tribunais, atuação da Defensoria Pública e Ministério Público, tipos de pedidos mais frequentes, perfil dos tratamentos pedidos, perfil dos litigantes, e gasto do orçamento da saúde com cumprimento de decisões judiciais.   

Embora seja grande a diversidade de experiências, algumas conclusões podem ser extraídas do conjunto dos trabalhos. Primeiro, o gasto com judicialização consome um valor considerável do orçamento de saúde dos entes e uma parte muito significativa desse gasto é destinada ao custeio de um grupo muito pequeno de tratamentos de alto custo não incorporados ao SUS. Segundo, existe uma parte da judicialização que ocorre por falhas da própria Administração, como a falta de informação e de acolhimento dos pacientes. Terceiro, em alguns lugares esse gasto tem crescido nos últimos anos, mas há outros em que algumas medidas de prevenção da judicialização têm reduzido o número de ações e condenações.   

Nesse bloco estão também artigos que tratam sobre a atuação da Defensoria Pública na internação de pacientes usuários de álcool e outras drogas e so-bre a atuação de municípios no combate à Covid-19, em particular a interação entre municípios, estados e Judiciário em temas relacionados a medidas não-farmacológicas para a prevenção de contágio.   

O segundo bloco, “Experiências e Propostas de Gestão”, foca em estratégias para a redução da judicialização. Muitos artigos neste livro fazem um diagnóstico da judicialização junto com uma análise de estratégias para sua prevenção e, portanto, poderiam estar tanto nesse bloco quanto no anterior. Os artigos inseridos nesse bloco são aqueles em que o foco está mais na estratégia de redução do que na descrição do fenômeno.   

A grande força desse bloco é a capacidade dos trabalhos de descrever em de talhe cada estratégia e de trazer dados empíricos para avaliar se alcançaram o objetivo pretendido de se reduzir a judicialização. Há uma multiplicidade de estratégias discutidas nesse bloco. As mais comumente mencionadas são: a criação de espaços de diálogo entre o serviço de saúde e atores do sistema de Justiça (OAB, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário); formação de quadros no Judiciário e na Administração com conhecimento no tema; instâncias administrativas para análise de demandas e resolução de litígios sem a necessidade de uma demanda judicial; humanização do atendimento e maior atenção às necessidades individuais de cada paciente; corpos técnicos para melhor embasamento científico para as decisões tomadas pelo sistema de saúde; criação de protocolos municipais para tratamentos frequentemente judicializados; mecanismos para colaboração entre entes federativos; estratégias para se evitarem fraudes e “esquemas” que tentam usar a judicialização para auferir lucros indevidos; e produção de informação de qualidade sobre as demandas judiciais. 

O bloco “Teses Jurídicas e Práticas Judiciais” reúne trabalhos que discutemcomo o Judiciário deveria, na visão dos autores, decidir demandas de saúde. Um dos principais temas nesse bloco é a competência federativa dos municípios. A questão federativa foi discutida no contexto de disputas de competência para imposição de medidas de distanciamento social para prevenção da Covid-19 e no de demandas contra municípios para fornecimento de trata mentos que, pelas pactuações do SUS, deveriam ser de responsabilidade de outro ente. Sobre este ponto, o Tema de Repercussão Geral 793 do Supremo Tribunal Federal foi objeto de análise detida porque, embora resolva algumas questões, ainda suscita dúvidas quanto à sua aplicação. 

Outro tema importante discutido nesse bloco foi a necessidade de as decisões judiciais analisarem um pedido individual à luz da evidência científica sobre tratamentos. Além de decisões mais informadas em evidência científica, também se defendeu a necessidade de uma melhor compreensão do Direito Sanitário para resolução de dilemas em saúde como as apresentadas pela Covid-19. Por fim, alguns textos também argumentaram que a tutela coletiva do direito à saúde deve ter preponderância sobre concessões individuais de tratamentos. Ações coletivas permitiriam a efetiva melhora na política pública de saúde ao invés de simplesmente privilegiar alguns indivíduos que buscaram a via judicial. 

O grande diferencial desse livro, além do foco nos municípios, é o fato de que os trabalhos trazem muitos dados empíricos e a experiência de pessoas diretamente envolvidas com o assunto. São análises que, ao invés de se limitarem a generalidades e grandes teorizações, olham o impacto concreto da judicialização sobre o sistema de saúde e de como as instituições vão se ajustando e se transformando para lidar com ela. Portanto, o livro traz contribuições que não só permitem entender melhor o fenômeno da judicialização da saúde, como também oferecem subsídios para que os atores dos sistemas de Saúde e de Justiça possam intervir nele de forma mais qualificada. 

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