IPEA 

Geralmente, quando o tema das políticas regionais no Brasil nos surge à mente, a primeira referência que recordamos são as políticas que tiveram início nos anos 1950, sob a influência de Celso Furtado. Nosso pensamento nos remete à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), às secas e aos planos nacionais de desenvolvimento (PNDs) dos governos militares na década de 1970. Todo o imaginário acerca do início da ação do Estado brasileiro sobre alguma região específica é ligado intuitivamente a este período da história e ao “planejamento governamental”, o que tende a obscurecer as ações realizadas na Primeira República (1889-1930) e no Império (1822-1889).

As secas no Nordeste permeavam as ações estatais desde o Império, assim como os diversos planos viários para interligar o Brasil. O importante é destacar que já havia o reconhecimento de problemas em regiões brasileiras que necessitavam da ação do Estado. Desde então, foram criadas instituições, constitucionalizada a problemática regional, cunhado o termo desequilíbrios regionais, e criados planos e instrumentos para diminuí-los. Os microempreendedores ganharam espaço, a redução das desigualdades foi confrontada com a coesão regional em prática na União Europeia e outras dimensões do desenvolvimento, além da econômica, foram incorporadas às políticas regionais, a exemplo das dimensões ambiental, política e social.

No entanto, esse não foi um processo homogêneo no tempo e no espaço. Diversos direcionamentos teóricos, metodológicos e práticos, inclusive com algumas mudanças de sentido, podem ser observados ao longo da história das políticas regionais brasileiras. Em parte, tais modificações ocorreram de acordo com alterações no próprio caráter e funcionamento do Estado brasileiro, seja por influências internacionais ou nacionais. As políticas de desenvolvimento regional ou simplesmente políticas regionais foram se transformando ao longo do tempo, não havendo uma ruptura abrupta dos planos ou políticas implementados. O que ocorreu foram mudanças incrementais, nas quais as políticas foram se sobrepondo.

Um dos exemplos mais marcantes expostos neste livro refere-se ao financiamento das políticas. Os incentivos fiscais perduram desde a década de 1960, passando por várias roupagens e concepções, sobrevivendo ao tempo. Eles foram criados em 1963, reconfigurados pelos militares em 1965 e 1971-1972, ameaçados de extinção em 1990 e novamente regulados em 2001-2002. Nesse meio tempo, estiveram ligados a incentivos creditícios para grandes empresas, foram contestados, divididos, até não terem mais o protagonismo como funding da política regional, que, a partir da Constituição de 1988, conta com os fundos constitucionais de financiamento (FCFs), direcionados para micro e pequenos empresários.

O livro busca analisar o planejamento regional em âmbito federal, destacando o que o Estado planeja, os caminhos que tem trilhado e a execução de suas ações, em um processo em que o que se concretiza não necessariamente corresponde ao que foi planejado. A análise a partir do Estado possibilita um melhor enquadramento metodológico das ações desde a formação do Estado-nação até a segunda década do século XXI, deslocando-se o foco do período pós-Sudene, que já foi exaustivamente debatido na literatura, para um período de quase duzentos anos de ações estatais com olhar regional, jogando-se luz sobre as mudanças de pensamento que permearam o Estado brasileiro, os instrumentos e a forma como ele incorporou e se estruturou para tratar o tema.

O texto procura ser um guia introdutório para aqueles que desejam se enveredar pelo tema regional no Brasil, sem descuidar do rigor nas fontes de pesquisa e na percepção dos autores. Áreas como a economia, a geografia, o direito e a ciência política são abrangidas pela pesquisa histórica feita sobre como o Estado se moldou para tratar as regiões brasileiras.

Assim, o livro se divide em sete capítulos. O primeiro versa sobre os precedentes das políticas regionais, como os planos viários e o combate às secas ainda durante o Império. O segundo debate o reconhecimento institucional da ação sobre as regiões, por meio da sua constitucionalização e da criação de instituições governamentais para tratar especificamente o tema. O terceiro analisa as regiões no prelúdio do Estado nacional-desenvolvimentista, que perdurou por mais de cinquenta anos no Brasil, e o quarto aborda algumas teorias e pensadores brasileiros que se debruçaram sobre os problemas regionais. No quinto, o modelo clássico pelo qual as políticas de desenvolvimento regional são conhecidas até hoje é apresentado, ao passo que o sexto mostra a reconfiguração desse modelo, assim como do próprio Estado brasileiro. O sétimo e último capítulo faz um balanço de como estão sendo tratados os problemas regionais pelo Estado no período mais recente.

O texto foi escrito a quatro mãos, mas muitas pessoas colaboraram para a sua realização. Agradecemos ao Ipea e ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) por terem acolhido a obra e a terem tornado pública para a sociedade, principalmente na figura do Aristides Monteiro Neto e da Adriana Alves, que acreditaram na capacidade da ideia. Gostaríamos também de agradecer às aulas de planejamento urbano e regional no Brasil, ministradas pelos professores Rainer Randolph e Fania Friedman em 2017 para o doutorado no Instituto de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ), assim como a todos os amigos de turma, que foram o pontapé dessa empreitada.

Ao grande amigo Sergio Felipe Melo da Silva, economista da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), o primeiro a ler e incentivar que um texto inicialmente elaborado para ser apresentado em formato de artigo se tornasse um livro.

Agradecemos imensamente aos professores Carlos Brandão e Hipólita Siqueira, do Ippur/UFRJ, heróis da resistência do tema e sempre brilhantes nos insights, bem como às professoras Rita de Cássia Ariza da Cruz e Sandra Lencioni, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), pelas valiosas contribuições ao debate sobre a temática regional brasileira.

Fica a nossa eterna gratidão ao professor Fernando Macedo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e aos colegas Francisco Monticeli, Jennifer Ribeiro, Leonardo Porto e Guilherme Lopes, que leram atentamente cada linha e discutiram todos os aspectos do livro conosco. Esse foi o momento da certeza de que estávamos no caminho certo.

Agradecemos na mesma magnitude a leitura crítica do Dr. João Mendes da Rocha Neto, gestor público do Ministério do Planejamento e que há anos trabalha com políticas de desenvolvimento regional.

Nosso muito obrigado também ao Danilo Sato, que magnificamente adaptou os antigos mapas dos planos viários para o texto, e ao Rafael Oliveira Fonseca, que fez os mapas das áreas de atuação das instituições.

Assim, com toda essa participação e apoio, esperamos que todos tenham uma boa leitura e degustem do mesmo prazer que os autores sentiram ao escrever este livro.

Baixe o livro aqui. 

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