Aylene Bousquat
Márcia Cristina Rodrigues Fausto
Patty Fidelis de Almeida
Juliana Gagno Lima
Helena Seidl
Amandia Braga Lima Sousa
Ligia Giovanella
A oferta de serviços de saúde em áreas rurais e distantes dos centros urbanos persiste como um grande desafio para os sistemas de saúde no século XXI. Constrangimentos no acesso a serviços com maior densidade tecnológica; dificuldades com transporte e comunicação; escassez de profissionais de saúde, especialmente médicos, dentre outros problemas, são descritos exaustivamente na literatura.
A realidade brasileira não foge a esse cenário, observa-se concentração dos serviços de saúde nos centros urbanos e nas áreas economicamente mais dinâmicas e a população que reside em áreas rurais não só enfrenta maiores dificuldades para acessar os serviços de saúde, como apresenta piores condições de vida e de saúde. Em geral, os municípios rurais apresentam maiores percentuais de famílias de baixa renda, altas taxas de analfabetismo e maior incidência de doenças negligenciadas. Ademais, suas economias são frágeis e dependentes das transferências dos governos centrais.
Empregando terminologia proposta por Santos e Silveira, essas áreas poderiam ser chamadas de territórios opacos, pois manteriam relações mais tênues com o circuito econômico global, em contraposição às áreas luminosas que mantêm relações intensas. Da perspectiva do acesso à saúde, pode-se afirmar que são áreas em que a Inverse Care Law é ainda atual, ou seja, a disponibilidade dos recursos em saúde é mais escassa onde residem os grupos sociais menos privilegiados e consequentemente com maiores necessidades em saúde.
Embora as diferenças no acesso aos serviços de saúde entre as populações rurais e urbanas tenham diminuído com a implementação do SUS, as desigualdades ainda são gritantes. Reconhecemos que as inequidades no acesso aos serviços de saúde não se restringem ao binômio rural-urbano, sendo observadas nos mais diferentes cenários. No entanto, o foco deste artigo são as áreas rurais, especialmente aquelas localizadas distantes dos centros urbanos. Sem dúvida, esse tema é central para a formulação e planejamento de políticas públicas, especialmente em um país com dimensões continentais e marcado por um padrão de extrema desigualdade socioespacial como o Brasil.
Em 2017, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) propôs uma nova caracterização do território brasileiro, dividindo os municípios em urbanos, intermediários adjacentes, intermediários remotos, rurais adjacentes e rurais remotos. Dois elementos foram centrais na classificação: o tempo de deslocamento até um subcentro, centro ou metrópole regional; e a população residente em áreas de ocupação densa. A partir dessa classificação, 323 municípios foram caracterizados como rurais e remotos , nos quais viviam 3.856.692 cidadãos brasileiros.
Nos parágrafos anteriores foram detalhados traços comuns aos municípios rurais remotos (MRR), mas o que os diferencia? Rarefação da população e distância de centros urbanos são suficientes para caracterizá-los, para elaborar políticas de saúde? No final de 2019, uma nova política de financiamento da atenção primária em saúde (APS), proposta pelo Ministério da Saúde, incluiu a classificação do IBGE como um dos critérios de repasse de recursos para os municípios, sem maiores reflexões sobre os diversos aspectos aí envolvidos. Observam-se traços comuns aos MRR, contudo para melhor informar a formulação de políticas interessa investigar suas especificidades.
Santos e Silveira demonstram que o desenvolvimento socioespacial brasileiro é marcado por uma inserção bastante desigual dos diversos lugares no circuito econômico. Acreditamos que a utilização deste referencial teórico pode contribuir para um melhor entendimento da(s) realidade(s) dos MRR e seus reflexos na configuração do sistema de saúde. Dessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo caracterizar os MRR segundo suas lógicas de inserção na dinâmica socioespacial brasileira, discutindo as implicações dessas características para as políticas de saúde.