Qual vem sendo o papel do setor privado no sistema geral de saúde do país? Quais as relações entre os sistemas público e privado? Estas são algumas das perguntas deste terceiro capítulo sobre os 30 anos do Sistema Único de Saúde. A reportagem é de Verônica Lima

 

 

Capítulo 1 | SUS: financiamento x gestão

Capítulo 2 | SUS: bons exemplos de funcionamento

Capítulo 3 | SUS: o papel do setor privado

Capítulo 4 | SUS: judicialização da saúde

Capítulo 5 | SUS: regionalização

 

Em janeiro de 2017, o Ministério da Saúde enviou à Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS, consulta técnica sobre propostas para flexibilizar a regulamentação de planos de saúde de maneira a permitir a comercialização de planos com preços mais acessíveis. As propostas incluíam, entre outros pontos, aumento da coparticipação do beneficiário no pagamento dos serviços utilizados; regra de reajuste diferente da adotada atualmente pela ANS; aumento de alguns prazos de atendimento; e oferta de planos regionalizados, com cobertura adaptada à infraestrutura disponível no município.

A Agência enviou relatório para a nossa produção com informações e contribuições ao Projeto de Plano de Saúde Acessível. Para boa parte dos pontos, a resposta da ANS foi de não haver necessidade de mudanças nas normas vigentes. A Agência se posicionou de forma contrária à alteração nas regras de reajuste, caso se configure como mero repasse dos custos e do risco do negócio ao consumidor. Sobre a redução de prazos de atendimento, a Agência respondeu que a regulamentação vigente foi feita com base nos prazos médios praticados pelas próprias operadoras de planos de saúde, mas que eventuais ajustes podem ser feitos ao se avaliar o impacto regulatório.

Para a Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Idec, Instituto de Defesa do Consumidor, o objetivo anunciado pelo ex-ministro Ricardo Barros, de desafogar o SUS, não será atingido pelos planos de saúde populares.

 

Ana Carolina Navarrete: “Onde estão as maiores despesas do SUS, que são com transplantes, com a alta complexidade, isso não seria resolvido pelo plano acessível. E até porque, se você está reduzindo a proteção do plano de saúde, no final das contas, onde essas pessoas que não vão ser atendidas pelo plano vão parar? Elas vão parar no SUS. Então você não está desafogando o SUS, pelo contrário. Você está deixando para o mercado o que é mais barato de oferecer e mais interessante e deixando para o SUS o mais caro.”

 

Ana Carolina destaca ainda que o Estado paga indiretamente pelos planos de saúde ao conceder restituição de parte do imposto de renda ao usuário que contrata esse serviço. E, como os planos de saúde mais baratos geralmente oferecem cobertura reduzida ou coparticipação e franquia, que são modelos de transferência de parte do custeio do serviço ao próprio beneficiário, o SUS acaba assumindo as despesas que os planos não cobrem. Portanto, conclui a pesquisadora, o Estado perde duas vezes.

Sobre a redução de imposto de renda, o presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde, Reinaldo Scheibe, afirma que a maioria da população brasileira declara o imposto de renda na versão simplificada, em que não existe desconto. Sobre os planos acessíveis, ele defende que poderiam ser a porta de entrada do atendimento, oferecendo a saúde básica, a saúde da família nas pequenas cidades do interior, principalmente. Os serviços mais complexos e não cobertos ficariam, de fato, com o SUS, pois é direito de todo cidadão, ele diz. Mas haveria economia de recursos tanto para o setor público quanto para o privado se as informações de saúde do paciente fossem compartilhadas.

 

Reinaldo Scheibe: “O que não é justo é a iniciativa privada quando recebe uma pessoa que conseguiu emprego e tem um plano de saúde, ele não porte as suas informações dos seus tratamentos, então, nós da iniciativa privada temos que repetir todos os exames de novo porque isso fica no SUS. E o inverso: se ele está na iniciativa privada e está sendo preparado até para fazer uma cirurgia, se ele sai do emprego e perde o plano de saúde e volta para o SUS, ele vai lá para o fim da fila e vai fazer todos os exames de novo. Então nós estamos com desperdício na área da saúde na faixa de 30%. (…) O Brasil é campeão mundial de desperdício de ressonância magnética tanto na iniciativa privada como no SUS.”

 

O prontuário eletrônico integrando todas as unidades básicas de saúde do País está sendo desenvolvido no setor público. Segundo o ex-ministro Ricardo Barros, 18 mil unidades já estão informatizadas. A integração com o setor privado melhoraria ainda mais o atendimento e geraria ainda mais economia, mas precisaria ser negociada com as empresas pois cada uma adota um sistema e eles precisariam ser interligados. Mesmo reconhecendo os ganhos com essa integração, o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Mauro Junqueira, não defende a transferência de responsabilidades da atenção básica para os planos privados.

 

Mauro Junqueira: “Planos populares nós somos contra. Nós queremos é fortalecer o sistema. E fortalecer o sistema é ter condições de ampliar a cobertura da atenção básica e tal com recursos das três esferas: do município, do estado e da União. Nós não conseguimos ampliar a atenção básica, por exemplo, que está estacionada em 60% já há alguns anos. (…) O plano deixa de atender o cidadão, o cidadão vai na unidade de saúde, tem seu atendimento, e o plano não ressarce o SUS.”

 

Em fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal confirmou que os planos de saúde são obrigados a ressarcir o Sistema Único de Saúde quando a rede pública tratar pessoas que tenham plano privado. Reinaldo Scheibe diz que o setor aguarda agora definições sobre qual o valor do ressarcimento e a quem esse recurso deve ser destinado.

 

No próximo capítulo, saiba mais sobre o problema da judicialização do atendimento de saúde no país.

 

Reportagem – Verônica Lima – Rádio Câmara
Edição – Sílvia Mugnatto

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