A conferência de abertura do Seminário Nacional sobre Regionalização da Saúde e Governança Regional, realizada em 8 de maio de 2025, foi conduzida por André Luís Bonifácio de Carvalho, diretor do Departamento de Gestão Interfederativa e Participativa do Ministério da Saúde. Em sua fala, Bonifácio descreveu o cenário contemporâneo da regionalização no Brasil, apontando entraves históricos, disputas normativas, experiências pregressas, novas tentativas de institucionalização, além dos caminhos possíveis para consolidar a governança interfederativa do Sistema Único de Saúde.
Sua abordagem priorizou compartilhar impasses vivenciados no cotidiano do Ministério, reflexões políticas e estratégicas sobre o papel das instâncias federativas e, sobretudo, a urgência de um pacto realista para a regionalização no país. A crítica central recaiu sobre a superficialidade com que o tema tem sido tratado ao longo dos anos. Nos últimos cinco anos, relembrou, a regionalização foi debatida apenas uma vez na Comissão Intergestores Tripartite, e mesmo esse único episódio esteve limitado à discussão técnica da região PEBA.
A fala sustentou a tese de que, embora a regionalização esteja consagrada na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Saúde, sua presença concreta nas políticas públicas se mantém frágil. A ausência de práticas deliberativas consistentes que mobilizem os gestores em torno do planejamento regional tem levado à fragmentação de iniciativas e à ineficácia de redes de atenção. Em suas palavras, “planejar regionalmente a partir de planos municipais frágeis resulta em planejamento regional igualmente frágil”. A solução, propôs, passa por compreender a regionalização como um processo político, territorial e dialógico – não apenas técnico ou documental.
Bonifácio defendeu a valorização das Comissões Intergestores Regionais (CIRs) e a necessidade de fortalecer sua função como instâncias de responsabilização compartilhada. Enfatizou que sem apoio político e técnico à base municipal, especialmente nos municípios com menos de 20 mil habitantes, não há como esperar resultados estruturantes em planejamento e acesso. O compromisso do Ministério, segundo ele, é com a retomada da construção federativa e com o fortalecimento da CIR como espaço de decisão, pactuação e enfrentamento das desigualdades.
Outra camada de sua exposição tratou da incorporação das diversas agendas sociais ao debate da regionalização. Destacou a transferência das assessorias sociais do gabinete ministerial para o DGIP, numa tentativa de integrar diretamente movimentos de populações ribeirinhas, quilombolas, LGBTQIA+, negras e indígenas na construção da gestão do SUS. Para Bonifácio, regionalizar também significa reconhecer a diversidade dos territórios e criar espaços efetivos de participação que não se limitem à aprovação formal de planos em conselhos de saúde.
Em meio à reconstrução institucional após os retrocessos dos últimos anos, denunciados por ele como “um desmonte criminoso da gestão pública”, o Ministério está reavaliando o modelo de apoio institucional, revendo a atuação de seus apoiadores nos territórios, reorganizando fluxos com as superintendências e buscando redesenhar o vínculo entre o planejamento nacional e os contextos locais. Em especial, revelou a proposta de criação de um Comitê Ministerial de Acompanhamento do Apoio Institucional, que servirá para mapear e qualificar a atuação dos diversos núcleos do Ministério nos estados.
A regionalização, afirmou, não pode mais ser adiada
André Luís Bonifácio de Carvalho
Se os contratos organizativos de ação pública não vingaram no passado por falta de responsabilização conjunta e temor político dos gestores, é hora de retomar o debate, ajustando os instrumentos, mas mantendo o foco no acesso equitativo e na garantia dos direitos. O ciclo de gestão recém-iniciado, com mais de 4 mil novos secretários municipais, impõe um desafio inadiável: assegurar apoio contínuo e qualificado à base do sistema.
Ao final, Bonifácio apelou para a responsabilidade coletiva frente à oportunidade histórica de reconstrução do SUS sob um governo disposto ao diálogo. A regionalização, reafirmou, deve deixar de ser apenas um conceito em normativas para se tornar prática viva nos territórios – construída em dissenso e consenso, com coragem institucional e compromisso democrático.
Abaixo, a apresentação utilizada durante a conferência