A segunda mesa do Seminário Nacional sobre Regionalização da Saúde e Governança Regional apresentou dois casos emblemáticos da região Nordeste – o Ceará e a Bahia – cujas trajetórias, embora distintas, revelam convergências e contrastes significativos na consolidação da governança regional no SUS. Tereza Cristina Alves, superintendente regional da SESA-CE, e Joana Angélica Molesini, coordenadora do Planejamento Regional Integrado da SESAB, foram acompanhadas nas considerações finais por Ana Luiza Viana, pesquisadora e coordenadora da Plataforma Região e Redes. O debate conduziu os participantes por realidades onde a regionalização ultrapassa a dimensão normativa e assume contornos enraizados nos territórios, nas práticas e nos desafios políticos cotidianos.

A exposição de Tereza Cristina foi marcada por um compromisso narrativo com o território. A partir da Região de Saúde do Cariri, no sul do Ceará, ela apresentou um modelo de governança estruturado a partir da Lei Estadual nº 17.006, que redefiniu o espaço regional em cinco regiões, sendo o Cariri uma delas. Ao relatar a experiência, destacou a constituição de um ecossistema organizacional que valoriza a articulação entre cultura local, redes de atenção e participação social. Com 45 municípios e mais de 90% da população dependente do SUS, a região consolidou, ao longo dos anos, uma lógica de integração baseada em consórcios públicos, equipamentos compartilhados e pactos de cuidado.

Sua fala recuperou elementos de identidade regional como o Soldadinho do Araripe — ave símbolo do território em extinção — para ilustrar a ideia de pertencimento e cuidado ambiental. Apresentou um mapeamento preciso da oferta assistencial instalada, com indicadores, metas e ações organizadas por rede, destacando avanços em oncologia, materno-infantil, trauma e saúde mental. Apontou, contudo, os limites e tensões do processo: altas taxas de mortalidade evitável, absenteísmo em exames especializados e dificuldades de contratualização e financiamento frente à diversidade de prestadores, especialmente os filantrópicos. Entre os principais instrumentos de governança, deu destaque ao Comitê de Apoio à Governança — um espaço de natureza consultiva composto por gestores, universidades, sociedade civil, prestadores e representantes do Ministério da Saúde, que pauta e monitora o plano regional.

Fotos: Gabriela Carvalho
Fotos: Gabriela Carvalho

Na sequência, Joana Molesini trouxe uma apresentação densa sobre o processo de regionalização na Bahia. Destacou que o estado trabalha com 28 regiões de saúde e 9 macrorregiões, com CIRs ativas em cada região e um modelo de planejamento regional integrado que vem sendo desenvolvido desde 2019. A Bahia adotou um arranjo mais formalizado, com planos macroregionais construídos a partir de análise de situação de saúde e pactuação entre estado, municípios e o Ministério da Saúde. O processo culminou com a criação recente dos Comitês Executivos de Governança das Redes de Atenção à Saúde (CEGRAS)das Macrorregiões de Saúde-, instância de monitoramento que, segundo Joana, espelha a experiência cearense, embora com diferenças estruturais marcantes.

Sua apresentação expôs uma série de camadas institucionais de governança: grupos técnicos temáticos, grupos de trabalho por redes, fóruns perinatais, colegiados de maternidades e comitês formais previstos em portarias ministeriais. A superposição de estruturas e a coexistência de instâncias diversas foi apontada como um desafio à coordenação, mas também como um indicativo da complexidade necessária para enfrentar os dilemas da gestão regional em saúde. Joana frisou ainda os conflitos entre a CIB e o Conselho Estadual de Saúde na Bahia, destacando a dificuldade em compatibilizar a pactuação intergestores com o controle social deliberativo. O Cegras, nesse sentido, foi apresentado como um esforço para integrar atores institucionais diversos — incluindo universidades e prestadores — em torno do monitoramento das redes prioritárias.

Por fim, Ana Luiza Viana encerrou a mesa com uma reflexão sobre o conceito de governança. Reafirmou que nem toda instância de coordenação é necessariamente uma instância de governança, e que a governança se configura quando há poder político efetivo e capacidade de regular, incentivar e responsabilizar. A partir das experiências relatadas, destacou que os processos de regionalização e descentralização devem ser vistos como grandes movimentos históricos que exigem aprendizado, formação e inovação institucional. Ressaltou a importância de se pensar em mecanismos de coordenação que sejam vitais à governança, sobretudo em contextos marcados por novos desafios epidemiológicos, como as doenças crônicas não transmissíveis.

A mesa encerrou-se com um convite à análise comparada e ao reconhecimento de que diferentes contextos demandam arranjos específicos, mas que certos princípios — como a pactuação federativa, a integração entre redes e o reconhecimento das singularidades territoriais — são indispensáveis à consolidação de uma governança democrática no SUS.

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