Ao final de um dia dedicado às exposições internacionais sobre experiências federativas e descentralizadas em saúde, os participantes do seminário reuniram-se em uma plenária para sintetizar os principais aprendizados, contrastar modelos institucionais e lançar hipóteses sobre o futuro da cooperação federativa. O debate envolveu os países apresentados nos painéis da manhã e da tarde, reunindo representantes das Américas e da Europa. A plenária não buscou consensos imediatos, mas evidenciou zonas de tensão, fragilidades comuns e caminhos possíveis para aprimorar os mecanismos de governança nos sistemas de saúde.

Em diferentes registros, os participantes destacaram a tensão permanente entre descentralização administrativa e o dever do Estado de garantir acesso universal e equânime aos serviços de saúde. Essa tensão, observada nos sistemas mais consolidados e também nos mais fragmentados, manifestou-se sob diversas formas: regionalização sem financiamento correspondente, autonomia subnacional sem instâncias eficazes de coordenação, e segmentação estrutural herdada de processos históricos, culturais e econômicos díspares.

“Aqui se confirmou que nenhuma federação ou sistema descentralizado é capaz de funcionar bem sem pactos sólidos, permanentes e públicos entre os níveis de governo. Onde esses pactos foram quebrados, a equidade retrocedeu. Onde foram sustentados, a resposta à crise sanitária foi mais eficiente”.

Luis Eugenio Portela Fernandes de Souza, diretor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, na abertura da plenária.

As comparações entre países geraram hipóteses provisórias, mas reveladoras. A concentração de funções no nível subnacional, quando não acompanhada de sistemas de responsabilização e mecanismos redistributivos, tende a reforçar desigualdades regionais. Ao mesmo tempo, a centralização excessiva, quando marcada por rigidez normativa ou distanciamento das realidades locais, compromete a efetividade da atenção e afasta os cidadãos dos processos de decisão. O desafio, portanto, não é optar entre centro e periferia, mas construir arranjos flexíveis, pactuados e sustentáveis.

Vários participantes ressaltaram que, embora os modelos institucionais importem, os resultados em saúde são altamente condicionados pela capacidade de mobilização política e pelo tipo de coalizão social que sustenta os sistemas. Em países onde a saúde é tratada como direito e compromisso público, a descentralização tende a ser regulada por princípios de solidariedade. Já onde a saúde é tratada como serviço ou mercadoria, a descentralização costuma aprofundar assimetrias e legitimar desigualdades.

Houve concordância sobre a necessidade de ampliar a inteligência federativa — termo usado por mais de um debatedor para se referir à combinação entre transparência de dados, estruturas permanentes de cooperação e dispositivos de negociação interfederativa. O compartilhamento de boas práticas, a interoperabilidade de sistemas de informação e a formação de redes interinstitucionais foram apresentados como estratégias concretas para enfrentar a fragmentação e produzir ganhos de escala.

No campo político, alertou-se para o risco de naturalização da desigualdade territorial. As diferenças regionais não são dadas, mas historicamente produzidas — e sua persistência deve ser enfrentada com políticas estruturantes, mecanismos de financiamento redistributivo e canais institucionais de escuta e correção. O reconhecimento das desigualdades como problema coletivo é o primeiro passo para formular respostas sustentáveis.

“O que nos une aqui é a aposta de que a cooperação entre os níveis de governo não é apenas técnica, mas profundamente política. Não se trata apenas de alocar funções e distribuir recursos, mas de assumir compromissos públicos com a vida e a saúde em todos os territórios”.

Ana Luiza d’Ávila Viana, coordenadora executiva da Plataforma Região e Redes

Com o encerramento da plenária, ficou clara a importância de manter o diálogo internacional como espaço de aprendizado coletivo. A diversidade dos modelos analisados não impediu a construção de referências cruzadas, nem a identificação de pontos de confluência. Em contextos marcados por crises globais, como a pandemia e as mudanças climáticas, a governança federativa em saúde se mostra cada vez menos como um problema técnico e mais como um campo decisivo da democracia.

1º Seminário Internacional Governança Regional nos Sistemas de Saúde
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