A experiência da Bolívia com a implantação de Redes Integradas de Saúde (RIS) foi apresentada por Yecid Ramiro Humacayo Morales, diretor geral de redes de serviços de saúde do Ministério da Saúde e Esportes, no painel dedicado à América do Sul, durante o Seminário Internacional sobre Governança da Saúde em Países Federativos e Descentralizados. A exposição abordou a consolidação do sistema público boliviano a partir da experiência concreta do Projeto Promesa, que se desenvolveu entre 2019 e 2023 no departamento de Oruro, com apoio da OPAS/OMS.
A estrutura do sistema de saúde boliviano é marcada por três subsistemas que operam de forma paralela e segmentada: o setor público, a seguridade social de curto prazo (organizada em caixas de saúde) e o setor privado. Esses subsistemas têm gestão autônoma e baixa integração. Somente o sistema público organiza-se em redes de serviços com cobertura nacional, abarcando 104 redes em um território de 343 municípios e 11 milhões de habitantes. A gestão dos serviços públicos é compartilhada entre três níveis: municipal (1º e 2º níveis de atenção), departamental (3º nível) e nacional (responsável pela regulação e pelo financiamento parcial). A medicina tradicional também está integrada ao sistema, em regiões onde é demandada pela população.
Desde 2019, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) boliviano, a Bolívia tem buscado consolidar um modelo universal, gratuito e com foco em determinação social da saúde. A experiência do departamento de Oruro foi concebida como piloto dessa transição, com a implantação de duas RIS: uma urbana (cidade de Oruro) e outra rural (região de Cuenca Popó, com sete municípios). O projeto teve como objetivo reduzir desigualdades no acesso a serviços essenciais e fortalecer a integração entre os níveis de atenção.
Yecid Ramiro Humacayo Morales
As ações foram organizadas em quatro eixos, baseados no modelo conceitual da OPAS para as RIS: (1) modelo de cuidado integral com enfoque territorial; (2) governança, participação social e intersetorialidade; (3) gestão integrada de recursos humanos, informação e logística; e (4) financiamento e incentivos. Foram priorizados cinco programas: saúde materno-infantil, saúde sexual e reprodutiva, doenças transmissíveis e não transmissíveis e resposta à covid-19.
Entre os principais resultados, destacam-se a institucionalização de comitês de análise de informação com participação comunitária; a formação de instâncias de gestão local com envolvimento da sociedade civil e dos governos locais; a reorganização de carteiras de serviços com enfoque de rede; a criação de um centro de formação e simulação clínica para o primeiro nível; e a implantação de sistema de informação interoperável entre atenção primária e especializada. O projeto também realizou estudo de brechas de recursos humanos, reformulou a alocação de profissionais e ampliou as capacitações em temas prioritários.
A melhoria da integração das redes foi medida por indicadores como redução das diferenças no acesso entre as áreas urbana e rural, aumento da satisfação dos usuários e diminuição do gasto direto (de 22% para 17,4% entre 2019 e 2022). Os dados subsidiaram a elaboração da Norma Nacional de Redes Integradas de Serviços de Saúde, publicada em 2024, que oficializou o modelo RIS como estratégia nacional. A nova norma estabelece mecanismos para transferência intermunicipal de recursos, amplia o papel da participação social na gestão e propõe integração progressiva com a seguridade social.
A experiência boliviana reforça quatro lições centrais para a governança da saúde em sistemas descentralizados: a importância da decisão política, da governança intersetorial e multinível, da transparência com base em sistemas de informação interoperáveis, e da adaptação dos modelos às especificidades territoriais. Ao destacar a integração funcional, o enfoque comunitário e a articulação federativa, o caso de Oruro mostra que mesmo em contextos de recursos limitados, é possível construir redes que avancem para além da fragmentação e respondam às necessidades reais da população.