Na tarde do dia 27 de maio, durante o Seminário Internacional “Governança da Saúde em Países Federativos e Descentralizados”, foi realizado o painel “Governança Nacional e Subnacional na Europa”, com exposições de representantes da Espanha, Itália e Alemanha. O objetivo da sessão foi apresentar diferentes experiências institucionais de organização da saúde em sistemas descentralizados, destacando os mecanismos de coordenação entre níveis de governo, os desafios enfrentados e os efeitos sobre a equidade e a efetividade dos serviços públicos de saúde.
O primeiro a apresentar remotamente foi Iñaki Gutiérrez Ibarluzea, diretor de pesquisa, inovação e avaliação do Ministério da Saúde do governo do País Basco. Ao detalhar o funcionamento do sistema espanhol, destacou que, embora a Espanha não seja formalmente uma federação, suas 17 comunidades autônomas detêm competências amplas em saúde, educação e políticas sociais. Ainda assim, a existência de uma carteira nacional de serviços, um sistema de prescrição eletrônica integrado e uma rede coordenada de avaliação de tecnologias em saúde têm permitido ao país combinar autonomia regional com coesão assistencial. “A cobertura é universal, financiada por impostos, e as decisões sobre inclusão de serviços no pacote comum são discutidas no Conselho Interterritorial”, explicou.
Gutiérrez enfatizou a evolução da saúde digital na Espanha, com registros eletrônicos amplamente disseminados e interoperáveis entre regiões, o que tem facilitado políticas baseadas em dados e melhorado a continuidade do cuidado. Também chamou atenção para a estabilidade de indicadores como expectativa de vida e mortalidade infantil, mesmo diante de variações econômicas entre as regiões. Segundo ele, o modelo espanhol alcançou níveis elevados de integração e controle público, mantendo um sistema predominantemente estatal, sem a fragmentação observada em outros países europeus.
Em seguida, por vídeo conferência, o italiano Walter Ricciardi, professor da Università Cattolica del Sacro Cuore e diretor do Osservatorio Nazionale per la Salute delle Regioni Italiane, fez um diagnóstico crítico da descentralização em seu país. Ricciardi lembrou que o direito à saúde foi consagrado no artigo 32 da Constituição de 1948, mas apenas em 1978 o Serviço Nacional de Saúde foi efetivamente criado. Desde a reforma constitucional de 2001, que ampliou a autonomia regional, a fragmentação institucional se aprofundou.
“A mudança transformou a palavra concorrenza – que deveria significar cooperação – em competição entre Estado e regiões”, afirmou.
Walter Ricciardi
Com apoio de dados do observatório que dirige, Ricciardi demonstrou como o sistema italiano passou a operar como três países distintos: o norte, com indicadores semelhantes aos de países como Suíça e Japão; o centro, com desempenho intermediário; e o sul, com níveis de acesso, qualidade e resultados de saúde comparáveis aos dos países mais pobres da Europa. “Temos regiões onde 100% da população participa de programas de rastreamento de câncer e outras com menos de 40% de cobertura. Isso é resultado direto da descentralização mal conduzida”, declarou. Defensor de uma cláusula de salvaguarda nacional, Ricciardi argumenta que o Estado precisa reassumir parte da coordenação para garantir o direito à saúde em todo o território italiano.
Por fim, Kai Michelsen, da Fulda University of Applied Sciences, apresentou os principais traços do sistema de saúde alemão. Com base no modelo Bismarckiano, a Alemanha opera com uma estrutura fortemente segmentada, baseada em seguros sociais obrigatórios e múltiplos agentes institucionais autônomos. Michelsen explicou que há uma tríplice descentralização: entre níveis federativos (União, estados e municípios), entre entidades corporativas autogeridas (como as associações de seguradoras e prestadores) e entre tipos de provedores (públicos, privados e filantrópicos).
“O Estado federal atua na definição legal e no financiamento solidário, mas a gestão direta é conduzida por entidades autônomas que operam por meio de contratos e convenções coletivas”, detalhou.
Kai Michelsen
Apesar do alto gasto em saúde e da cobertura praticamente universal, Michelsen chamou atenção para problemas de desempenho. Citou como exemplo a fragmentação entre o atendimento ambulatorial e hospitalar, ausência de mecanismos eficientes de coordenação de cuidado e crescimento da presença de investidores privados no setor ambulatorial. “Há pressão por reformas que fortaleçam mecanismos regionais de governança e maior integração entre os níveis assistenciais. Mas o equilíbrio de poder entre os entes corporativos dificulta mudanças estruturais”, avaliou.
A comparação entre os três países permite identificar dinâmicas comuns e divergentes. Espanha e Alemanha compartilham a universalidade da cobertura e um aparato regulador consolidado, mas com modelos institucionais distintos: a primeira é centrada no setor público e na regulação estatal; a segunda, em contratos corporativos e financiamento social. Já a Itália, mesmo com uma arquitetura normativa avançada, sofreu retrocessos ao descentralizar a gestão sem preservar uma instância nacional eficaz de articulação. Em todos os casos, o equilíbrio entre autonomia local e coordenação nacional emerge como ponto crítico para garantir o acesso equitativo à saúde.

Se o painel latino-americano do turno da manhã evidenciou o peso da desigualdade na governança federativa, o painel europeu demonstrou que, mesmo em países com estruturas sólidas e ampla proteção social, o desenho institucional e os mecanismos de coordenação fazem diferença decisiva. O velho continente, ao expor suas engrenagens, revelou que descentralizar sem integrar é um risco real — e que sistemas universais só resistem quando sustentados por pactos duradouros entre Estado, regiões e cidadãos.