Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil

Prof.ª Dr.ª Ana Luiza d’Ávila Viana
Coordenação geral

Entre os desafios mais urgentes na atual fase de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) estão a ampliação do acesso e a adequação dos serviços ofertados, por meio da regionalização e da consolidação de redes de atenção à saúde.

Na década de 1990, a estratégia priorizada pela política nacional para a construção do SUS foi a descentralização, mais especificamente a municipalização. Apesar dos resultados positivos desse processo – entre os quais a ampliação do acesso à saúde, a incorporação de práticas inovadoras de gestão e assistência e o ingresso de novos atores que dão sustentabilidade política e financeira ao setor – permaneceram os problemas relativos à fragmentação e à desorganização dos serviços de saúde, dada a existência de milhares de sistemas locais isolados. O balanço que se faz é de que o modelo de descentralização no SUS foi importante para a expansão da cobertura de serviços e recursos públicos provenientes dos governos subnacionais. Porém, não foi capaz de resolver as desigualdades regionais presentes no acesso, na utilização e no gasto público; além de não ter proporcionado a integração de serviços, instituições e práticas nos territórios, nem tampouco a formação de arranjos mais cooperativos na saúde.

Nos anos 2000, a regionalização passou a ser priorizada como estratégia organizativa do sistema de saúde para superar limitações decorrentes da descentralização. Notadamente as dificuldades de coordenação e cooperação federativa das profundas desigualdades em saúde (distribuição dos profissionais, equipamentos e recursos; garantia de acesso) e da fragmentação da lógica sistêmica e regional no funcionamento do sistema de saúde.

Apesar de estar prevista desde a Constituição Federal de 1988, a regionalização começou a ser regulamentada no âmbito da política nacional de saúde somente em 2001, com a publicação da Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS). A definição de “região de saúde” aparece pela primeira vez com a publicação da NOAS, cujo principal objetivo era a equidade na alocação de recursos e no acesso às ações e serviços de saúde. A regionalização foi definida, então, como macroestratégia para aprimorar a descentralização. Para isso, contemplou uma lógica de planejamento integrado, incorporando as noções de territorialidade tanto na definição de prioridades de intervenção como na conformação de “sistemas funcionais de saúde”.

O Pacto pela Saúde, em 2006, buscou fortalecer os acordos intergovernamentais nos processos de organização político – territorial do SUS. Propôs a redefinição das responsabilidades coletivas dos três entes federativos gestores e a definição de prioridades, objetivos e metas a serem atingidos no âmbito setorial. Sugeriu, ainda, o fortalecimento da cogestão, por meio da implantação de instâncias colegiadas em regiões de saúde definidas nos Planos Diretores de Regionalização: os Colegiados de Gestão Regional (CGR). Formados por representantes das Secretarias de Estado de Saúde (do nível central ou das estruturas regionais do estado) e pelos secretários municipais de saúde de cada região, os CGR representaram a criação de um canal intergovernamental permanente de negociação e decisão no plano regional.

A partir de dezembro de 2010, novas diretrizes foram formuladas, visando estimular a configuração de redes de atenção à saúde e o processo de regionalização nos estados brasileiros. A Portaria nº 4.279, de 2010 (Brasil, 2010), definiu as regiões como áreas de abrangência territorial e populacional sob a responsabilidade das redes de atenção à saúde, e o processo de regionalização como estratégia fundamental para sua configuração. Além disso, estabeleceu outros elementos constitutivos para o funcionamento das redes.

Em 2011, o Decreto Presidencial nº 7.508, que regulamenta a Lei nº 8.080, de 1990, deu novo destaque às regiões de saúde, estabelecendo instrumentos para a sua efetivação: o mapa sanitário (que inclui a oferta pública e privada nas regiões); os Contratos Organizativos de Ação Pública – COAP (baseados na definição de regras e acordos jurídicos entre os entes federados nas regiões); os planos de saúde; a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (Renases); a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename); e as Comissões Intergestores (instâncias de governança regional das redes, incluindo as Comissões Intergestores Regionais – CIR –, em substituição aos CGR).

Os avanços técnicos, políticos e normativos relacionados à regionalização da saúde no Brasil, nos últimos dez anos, confirmam a importância crescente dessa estratégia no âmbito da política de saúde, destacando o papel indutor do governo federal e a ampla adesão de estados e municípios. Os significados e as relações existentes entre regiões e redes de atenção indicam que o avanço do processo de regionalização pode interferir positivamente no acesso às ações de serviços de saúde. Faz – se necessário, portanto, identificar as condições que favorecem ou dificultam a regionalização nos estados e a conformação das redes de atenção à saúde, para compreensão de possíveis entraves à diminuição das desigualdades na universalização da saúde no Brasil.

Questionam-se:

  • É possível identificar mudanças significativas (técnicas e políticas) na implementação do SUS resultantes do processo de regionalização da saúde?
  • A constituição de regiões de saúde tem contribuído para a redução das desigualdades em saúde?
  • Como se relacionam as estratégias de regionalização e conformação de redes de atenção à saúde?
  • Quais os limites e desafios atuais do planejamento regional da saúde no Brasil?
  • Quais as experiências exitosas e novas propostas para o processo de regionalização da saúde no Brasil e no mundo ?

A pesquisa Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil tem como principal objetivo avaliar, sob a perspectiva de diferentes abordagens teórico – metodológicas, os processos de organização, coordenação e gestão envolvidos na conformação de regiões e redes de atenção à saúde, e seu impacto para melhoria do acesso, efetividade e eficiência das ações e serviços no SUS. Trata-se de identificar as condições que estejam favorecendo ou dificultando a 4 regionalização nos estados e a conformação das redes de atenção à saúde. Isso permitirá a compreensão dos possíveis entraves à diminuição das desigualdades na universalização da saúde no Brasil.

A pesquisa é financiada com recursos provenientes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Saúde, por meio da Chamada MCTI/CNPq/CT – Saúde/MS/SCTIE/Decit Nº 41/2013. Seu principal objetivo é “apoiar projetos de pesquisa científica e tecnológica que contribuam significativamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do País e que levem à produção de conhecimento para a efetivação do direito universal à saúde”. O trabalho insere-se na Linha de pesquisa nº 5 do referido Edital: “identificação e análise de iniciativas inovadoras de melhoria da efetividade e da eficiência dos processos da coordenação e organização das redes assistenciais e regiões de saúde e seu impacto nos fluxos de demanda e estruturação da oferta”.

O estudo nacional sobre as regiões de saúde baseia-se nas seguintes dimensões:

  1. Sistema de governança regional
  2. Fluxos de demanda e estruturação da oferta
  3. Atenção Primária em Saúde nas regiões e redes de saúde
  4. Redes de atenção à saúde e gestão clínica, contratualização, qualidade, monitoramento e avaliação
  5. Recursos humanos.
  6. Vigilância em saúde
  7. Incorporação tecnológica

Outras duas dimensões orientam estudos focalizados em determinadas regiões de saúde: o subsistema de saúde indígena; e a incorporação tecnológica.

A investigação será desenvolvida utilizando, majoritariamente, abordagens qualitativas de pesquisa avaliativa, com entrevistas, análise documental, observação participante e vinheta1 em regiões de saúde selecionadas. Para alguns de seus aspectos e dimensões adotará métodos e instrumentos quantitativos, como questionários estruturados ou planilhas para o processamento e análise das informações empíricas.

A pesquisa utilizará instrumentos de avaliação pré-validados internacionalmente para análises comparativas. Outros países com experiência em termos de organização regional de sistemas universais de saúde, tais como Canadá, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Portugal e Espanha, representarão uma fonte importante de informações para a pesquisa.

O desenho do estudo está baseado em uma perspectiva multicausal, combinando e sintetizando os enfoques top down e bottom up para a análise da implementação das políticas voltadas para a regionalização e conformação de redes de atenção em saúde.

O enfoque top down entende que os atores situados em uma única e central instância decisória exercem o controle do processo de formulação das políticas. Na pesquisa, este enfoque visa identificar a direção, o alcance e os limites da indução federal no processo de regionalização na área da saúde. A estratégia para a coleta de dados nessa abordagem está baseada em ampla pesquisa documental e entrevistas com atores – chave do nível central da administração.

Já o enfoque bottom up admite que a política não é definida somente no nível central da administração pública, mas baseia-se na análise das redes de decisões em que os atores se enfrentam quando da implementação da política. Na presente investigação, o enfoque bottom up está voltado, portanto, ao estudo aprofundado dos determinantes e das inovações regionais. As informações fundamentais para esta abordagem serão sistematizadas a partir de survey direcionado aos gestores estaduais e municipais, além de entrevistas presenciais nas regiões de saúde selecionadas.

Atualmente, existem 438 regiões de saúde constituídas no Brasil. A seleção de regiões de saúde para o estudo baseia-se em uma amostra nacional segundo a tipologia das regiões e outros critérios definidos conforme os objetivos de análise. A tipologia fundamenta-se em indicadores municipais agregados em duas dimensões: situação socioeconômica e oferta e complexidade dos serviços de saúde.

Acredita-se que tal arquitetura, utilizando concomitantemente os dois enfoques supracitados, possibilitará uma análise mais coerente dos condicionantes impostos pela burocracia que opera o processo de implementação da política de regionalização na área da saúde.

Além disso, será possível descrever e aprofundar a discussão sobre a conformação de redes para a implementação dessa política (quais são os atores, como interagem, em que situações etc.). O desenho proposto também almeja conhecer o impacto da política (sistema político) nacional, estadual e mesmo municipal na formulação e implementação das políticas e programas direcionados para a regionalização e para a configuração das redes de atenção em saúde.

Trata-se de um estudo multicêntrico em que ocorre a condução simultânea e controlada de um mesmo protocolo (instrumentos) em diversas instituições de diferentes estados e regiões do país. Estão envolvidas 182 instituições de pesquisa, distribuídas pelas 5 grandes regiões brasileiras (1 no Norte; 3 no Nordeste; 2 no Centro-Oeste; 2 no Sul; e 10 no Sudeste). O trabalho será desenvolvido no período de 4 anos (2014-2017).

Organização que apoia o estudo multicêntrico:

  1. Conselho de plano de ação e monitoramento de dados
  2. Comitê guia (coordenadores das dimensões do estudo)
  3. Assembleia (reunião dos pesquisadores)

A estruturação da rede nacional de pesquisa promover á articulações e parcerias entre diferentes instituições e pesquisadores de todas as regiões do país e atuantes nas áreas e linhas de pesquisa correspondentes aos temas, objetos e objetivos aqui propostos.

A principal contribuição científica da pesquisa será a produção de análises sobre os diversos condicionantes (territoriais, econômicos, culturais, sociais, histórico-estruturais, políticos-institucionais, informacionais, normativos e tecnológicos) para a conformação das políticas, do planejamento e da gestão das regiões e redes (temáticas) de atenção à saúde no Brasil.


1 A vinheta é utilizada na pesquisa qualitativa e quantitativa em diversas disciplinas e para diferentes escopos (BARBERIS E., 2010)

2 Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), Instituto de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (IS/SES – SP), Hospital do Coração São Paulo (HCor), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz – RJ), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Manaus), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJR)

 

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