Publicado originalmente por ENSP em 26/11/2014
Apesar do tema não ser novo, a questão da regionalização ainda não conseguiu ser amplamente implementada no Sistema Único de Saúde do país. No entanto, já é um consenso entre especialistas que sem a ordenação de redes assistenciais será impossível garantir a integralidade do cuidado no SUS. Este assunto foi debatido na ENSP, durante o seminário Regionalização e redes de atenção à saúde como desafios para efetivação do SUS. O encontro foi organizado pelo Laboratório de Avaliação de Situações Endêmicas Regionais, do Departamento de Endemias Samuel Pessoas (Laser/Densp/ENSP).
Durante a mesa de abertura, o diretor da ENSP, Hermano Castro, apontou que o nosso SUS consegue dar as respostas necessárias, “mas nós, enquanto operadores deste sistema, precisamos identificar as suas amarrar para entender como enfrentar essa crise. Esse é o desafio posto ao SUS hoje”, disse.
A primeira mesa do encontro, intitulada Redes de Atenção à Saúde: limites e possibilidade no processo de regionalização foi formada pela coordenadora da Unidade de Gestão do Projeto QualiSUS-Rede, do Ministério da Saúde, Ana Lucia Gurgel, da pesquisadora do Daps/ENSP Rosana Kuschnir, e da pesquisadora do Laser/ENSP Marly Cruz, com coordenação da pesquisadora da Escola Ligia Giovanella.
Rosana iniciou sua apresentação comentando que o grande avanço atualmente é que se voltou a falar em redes, apesar do termo e do tema não serem recentes, pois esta discussão sempre pertenceu à reforma do sistema de saúde do Brasil. “Hoje, fazemos um resgate de tudo que já foi debatido, porém, evidentemente, os nossos desafios agora são distintos dos apresentados na década de 1980”. Segundo Rosana, é completamente diferente tentar executar um sistema regionalizado onde atualmente está implantado um sistema de descentralização radical. “Não é a toa nenhum país do mundo é descentralizado em nível local”, constatou.
Uma questão central destacada por Rosana foi a dificuldade em montar redes como uma consequência da dificuldade em construir a governança regional. Por outro lado, o novo avanço é a discussão sobre o esgotamento do modelo de gestão do SUS. Para ela, este é um momento crítico de se pensar a questão da regionalização: “Estamos mais do que na hora de aceitar essa provocação à discussão”, concluiu a pesquisadora.
Em seguida, a coordenadora da Unidade de Gestão do Projeto QualiSUS-Rede, do Ministério da Saúde, Ana Lucia Gurgel falou sobre o projeto, abordando sua proposta e discussão técnica. Ela lembrou que o QualiSUS veio logo após o Pacto pela Saúde e abrangia o fortalecimento da organização de redes de atenção à saúde e sua relação com a regionalização, quando ainda sequer havia uma política direcionada para a discussão de rede. O projeto abrange duas grandes frentes de trabalho: 15 subprojetos regionais voltados à implementação de Redes de Atenção à Saúde (RAS) ou de estratégias que promovam sua implantação e consolidação; e um conjunto de intervenções sistêmicas estratégicas centradas em prioridades nacionais para dar suporte à implementação das RAS.
Na prática, avaliou Ana Lucia, além de fazer toda essa discussão, tinha também que lidar com o desafio de articular o emaranhado de tudo que estes subprojetos envolvem, como, por exemplo, as redes temáticas. “Precisamos avaliar como as discussões estão acontecendo nos diferentes estados, com suas diversidades e com a clareza de que não faremos uma discussão igual para o país como um todo. A diversidade nacional nos impõe o desafio de tratar cada localidade de maneira única, entendendo que a rede se fará a partir do território e não de uma definição uníssona para o Brasil”, disse ela.
Encerrando as apresentações do primeiro dia do encontro, a pesquisadora do Laser/ENSP Marly Cruz mostrou resultados da pesquisa de avaliação da implementação do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade da Rede de Atenção à Saúde (QualiSUS-Rede). Antes de apresentar os dados, Marly explicou que os resultados são parciais, pois a pesquisa ainda está em campo. Ela disse também que a avaliação não é feita apenas do ponto de vista da implantação dos subprojetos. O trabalho tenta, de outro modo, entender os arranjos que foram estabelecidos e quais as principais facilidades e dificuldades na implementação desses projetos.
Desde o convite para participar do estudo, contou Marly, o grupo se debruçou sob os 15 subprojetos com vistas a construir uma avaliação com caráter mais formativo. “Percebemos que existia baixa compreensão do que era a avaliação, do porque dela acontecer e como realizar essa avaliação”, explicou ela.
Para a pesquisa foi desenvolvido um guia para os pesquisadores que estavam em campo. Marly explicou que buscaram, com este material, facilitar e padronizar a etapa de levantamento de dados. Também voltado para estes profissionais, foi organizado um plantão de suporte a toda a equipe. Ao todo, foram visitados 122 municípios nas 15 regiões abordadas no QualiSUS-Rede. Cerca de 80% das entrevistas previstas no cronograma foram realizadas.
Marly concluiu falando sobre algumas impressões trazidas do trabalho de campo. Segundo ela, pode-se apontar que, sem dúvida, há uma ampliação do debate sobre a regionalização e as redes de atenção entre os diferentes atores envolvidos, em especial com os representantes locais do que aqueles dentro da instância federal. Outra questão relevante apontada por Marly é a diferença entre as regiões Norte e Nordeste e Sul e Sudeste. “Particularmente, a região Sudeste foi onde encontramos maior dificuldade de adesão ao próprio projeto, e também na implementação dos subprojetos”, esclareceu ela.
O seminário Regionalização e redes de atenção à saúde como desafios para efetivação do SUS ocorreu nos dias 13 e 14 de novembro.