Este conteúdo tem como base a versão traduzida do artigo “Scorched Earth: the portrait of health in Brazil after the Bolsonaro’s administration and the first 100 days of the Lula Government in health”, de autoria de Arthur Chioro, Jose Gomes Temporão, Adriano Massuda, Humberto Costa, Marcia C. Castro e Nísia Trindade de Lima. Acesse o artigo original pelo link: https://doi.org/10.22541/au.168516725.52780793/v1

Arthur Chioro. Departamento de Medicina Preventiva. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo. Ex-Ministro da Saúde do Brasil (2014-2015). Coordenadora do Grupo Técnico de Saúde do Governo de Transição do Brasil.

José Gomes Temporão. Centro de Estudos Estratégicos. Fundação Oswaldo Cruz. Ex-Ministro da Saúde do Brasil (2007-2010). Relatora do Grupo Técnico de Saúde do Governo de Transição do Brasil.

Adriano Massuda. Fundação Getúlio Vargas – Escola de Administração do Estado de São Paulo e Centro de Pesquisa e Planejamento em Saúde (FGV-Saúde). Vice-Relator do Grupo Técnico de Saúde do Governo de Transição do Brasil.

Humberto Costa. Senador Federal. Ex-Ministro da Saúde do Brasil (2003-2005). Membro do Grupo Técnico de Saúde do Governo de Transição do Brasil.

Márcia C. Castro. Harvard TH Chan Escola de Saúde Pública. Membro da Equipe de Apoio ao Grupo Técnico de Saúde do Governo Brasileiro de Transição.

Nísia Trindade de Lima. Ex-Presidente de Fundação Oswaldo Cruz. Ministra da Saúde, Membro do Grupo Técnico de Saúde do Governo de Transição do Brasil.

Introdução

Em fevereiro deste ano, nosso artigo intitulado “De Bolsonaro a Lula: a oportunidade de reconstruir a saúde universal no Brasil na transição de governo” foi publicado no International Journal of Health Planning and Management (HPM) [1]. O artigo foi um estudo de caso, com foco na transição governamental 2022-2023 no Brasil. Nosso objetivo principal foi analisar como um ciclo de governo populista de extrema-direita desmantelou as bases do Sistema Único de Saúde (SUS). Nosso objetivo foi fornecer uma descrição abrangente de como o último governo moldou sua governança por interesses político-clientelistas e privatistas orientados para o mercado, juntamente com a implementação de políticas de austeridade fiscal de longo prazo. Essas ações levaram ao subfinanciamento, fragilização e desorganização do SUS. Consequentemente, os indicadores de saúde deterioraram-se significativamente e a capacidade de resposta do sistema às necessidades de saúde da população diminuiu drasticamente.

Nosso principal objetivo ao examinar a experiência recente do Brasil foi extrair lições que possam contribuir para a compreensão acadêmica e política das ameaças representadas pelo surgimento de governos populistas de extrema direita à saúde global. É fundamental reconhecer o movimento internacional e a ascensão de regimes populistas de extrema direita em vários países, pois representam riscos para o Estado Democrático de Direito, instituições e políticas sociais. Os sistemas universais de saúde, em particular, enfrentam desafios significativos em termos de sustentabilidade e resiliência [1].

O HPM, em consonância com outras revistas de prestígio como Lancet e Science, [2-3] reconheceu que era oportuno publicar nossa análise sobre a transição governamental no Brasil e o impacto do anterior governo populista de extrema direita no sistema nacional de saúde.

De forma democrática, o jornal oportunizou a contestação ao publicar carta assinada pelo ministro da Saúde (2021 e 2022) e secretário da Atenção Básica (2020 e 2022) e secretário da Atenção Básica do Governo Bolsonaro. A carta foi intitulada “O Ministério da Saúde brasileiro que enfrentou maiores desafios até agora – Nossa gestão fortaleceu o SUS ao reparar uma pandemia e resolver problemas do passado”. [4]

Este artigo, na perspectiva do debate respeitoso e de alto nível, oferece uma tréplica, refutando afirmações que consideramos infundadas e desconectadas da realidade. Não é nossa intenção perpetuar uma polêmica a respeito de um processo político concluído, que resultou na vitória das forças democráticas. Em vez disso, nosso foco permanece em destacar os riscos enfrentados pelos sistemas universais de saúde quando governados por regimes autoritários e de extrema direita. Portanto, é fundamental caracterizar de forma mais assertiva o viés autoritário e antidemocrático da extrema-direita do bolsonarismo.

O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) foi marcado por uma série de crises políticas e institucionais que impactaram profundamente as bases e a organização do sistema universal de saúde no Brasil. A recusa total em qualquer tipo de diálogo com esferas de controle social, como o Conselho Nacional de Saúde, a quebra do pacto federativo e os conflitos abertos com secretários estaduais e municipais de saúde levaram ao isolamento do Ministério da Saúde, prejudicando a implementação de ações e políticas setoriais.

Simultaneamente, houve uma clara consolidação de uma postura antidemocrática e uma contínua ameaça às instituições. Isso ficou evidente por meio dos constantes ataques do presidente ao Supremo Tribunal Federal, questionando a segurança das urnas eletrônicas utilizadas no processo eleitoral de outubro de 2022 e a ameaça de não reconhecer os resultados eleitorais. Além disso, várias medidas foram implementadas no campo econômico com evidente agenda eleitoral, que impactaram negativamente as finanças públicas e deixaram um legado perverso para o novo governo Lula.

O epílogo dessa estratégia, que tem como principal característica a disseminação de fake news pelas redes sociais, aconteceu no dia 8 de janeiro de 2023. A invasão e vandalismo da sede dos poderes da república – executivo, legislativo e judiciário – em Brasília, por milhares de partidários do governo de extrema-direita, visando um golpe de estado, que falhou. Este episódio, que emula os acontecimentos de 6 de janeiro de 2021, no Capitólio dos Estados Unidos, deixou um rasto de destruição não só do património público, mas também da ideia de república e democracia, tendo em conta que os alvos principais foram o Palácio Presidencial, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Gestão tripartite e federalismo de enfrentamento na resposta à pandemia

Um dos objetivos primordiais da nova gestão que assumiu o Ministério da Saúde em 2023 foi resgatar a capacidade de coordenação e liderança que havia sido perdida no governo anterior. De fato, inúmeras instituições e organizações, tiveram que intervir para cumprir responsabilidades que deveriam ter sido assumidas pelo governo federal na resposta à pandemia de Covid-19.

Diante da desconfiança nos dados divulgados pelo governo federal, a mídia se uniu em um consórcio para monitorar e divulgar a evolução dos dados de incidência, mortalidade e vacinação. Autarquias, como a Fundação Oswaldo Cruz, presidida pelo atual Ministro da Saúde, assumiram a responsabilidade pelo planejamento de pesquisas, fiscalização e negociação de convênios para importação de matérias-primas para vacinas e sua produção. Os governos estaduais tiveram que implementar políticas de isolamento e distanciamento social, autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal, contrariando a recomendação do governo federal de expor a população à contaminação, visando alcançar a imunidade de rebanho. Não só ineficiente contra um vírus altamente mutável, como a estratégia inconsequente também mostrou que o governo estava mais preocupado em preservar sua popularidade do que a vida dos brasileiros, numa enganosa oposição entre economia e vida humana.

Na carta dirigida aos editores do HPM, os ex-Ministros da Saúde e os Secretários da Atenção Básica, entre vários outros pontos preocupantes, revelaram a insistência em um conflito permanente com estados e municípios, fonte constante de tensão federativa durante a governo anterior. Além disso, a carta defendia a estratégia ineficiente e inconsequente no enfrentamento da pandemia. Os autores também utilizaram o conceito de gestão tripartite do SUS na tentativa de transferir a responsabilidade pela catástrofe humanitária do governo federal para os estados e municípios. No entanto, é fundamental ressaltar que cabe ao governo federal a responsabilidade de coordenar esforços para o enfrentamento das emergências de saúde pública de impacto nacional.

A gestão Inter federativa tripartite, que envolve União, estados e municípios na gestão do SUS, é uma característica que sustentou o sistema de saúde brasileiro. No entanto, desde o início do governo Bolsonaro, esse mecanismo de gestão colaborativa foi substituído por um federalismo de confrontação.[5]

Durante a pandemia, o governo federal adotou uma postura de confronto com governadores e prefeitos, em oposição às medidas adotadas pelos governos estaduais e municipais. Ao contrário do que argumentam os autores da réplica, o fato é que estados e municípios aumentaram significativamente seus orçamentos para o combate à pandemia, agravando o subfinanciamento do SUS e agravando gravemente a situação da saúde no país.

É importante destacar que o montante de US$ 6 bilhões em fundos estaduais e municipais em 2022, mencionado na carta, consiste em grande parte em fluxo de caixa de recursos transferidos de um fundo para outro, e não em sobras de recursos como sugerido pelos autores da resposta. Além disso, esse valor não é suficiente para compensar as perdas sofridas por estados e municípios no período anterior. O governo federal não pode se eximir de sua responsabilidade na gestão da pandemia, nem pode transferi-la para terceiros. É dever intransferível do governo federal gerir e coordenar os esforços nacionais para enfrentar uma emergência nacional de saúde. Este é um problema de saúde pública que deveria ter sido tratado como tal desde o início.

A resposta desastrosa do governo Bolsonaro diante da pandemia

Em resposta à pandemia de Covid-19, os países com melhor desempenho adotaram estratégias semelhantes. Entre eles, a implementação de ações coordenadas entre as esferas de governo, o aumento de recursos para garantir a manutenção dos serviços de rotina aos cuidados agudos não relacionados à Covid-19; e monitoramento permanente dos casos para ajustar estratégias de acordo com o cenário epidemiológico.[6] No Brasil, no entanto, o governo liderado pelo presidente Jair Bolsonaro pressionou a resposta do sistema de saúde brasileiro na direção oposta.

Durante a pandemia de Covid-19, a estratégia de comunicação empregada pelo governo federal concentrou-se na divulgação de medidas sem embasamento científico, com o objetivo de desestimular a adesão da sociedade às medidas protetivas prescritas cientificamente. O principal agente e líder dessa estratégia era o presidente da república. Ao adotar uma postura irresponsável e desrespeitar os cientistas e profissionais de saúde, constantemente criou confusão e fomentou percepções contraditórias na sociedade. O ex-presidente se posicionou como uma autoridade autoproclamada em tratamentos médicos, promovendo o uso de cloroquina, vitamina D, ivermectina e outros remédios não comprovados. Ele criticou o uso de máscaras, se opôs às medidas de distanciamento social, atacou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e minou a confiança nas vacinas. [7] Além disso, houve negligência na aquisição de suprimentos essenciais e equipamentos médicos, como ventiladores, e o suporte inadequado foi fornecido aos profissionais de saúde. Também faltou transparência e fornecimento de dados confiáveis sobre a evolução da pandemia no país.

A total falta de planejamento quanto à aquisição, distribuição e mobilização da população para a vacinação fica clara nos escândalos que surgiram com a divulgação de dados oficiais do Tribunal de Contas da União (TCU), que denunciam o desperdício de 38 milhões de vacinas doses e uma perda aproximada de $ 400 milhões. [8] A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal também revelou denúncias de corrupção na aquisição de vacinas e omissões do governo diante do desabastecimento de oxigênio em Manaus. [9]

É amplamente reconhecido por indivíduos com um nível básico de bom senso, conhecimento técnico e sensibilidade humanitária que o impacto devastador da pandemia de Covid-19 no Brasil pode ser atribuído à resposta desastrosa do governo federal. Os dados demonstram claramente que o Brasil foi um dos países mais afetados pela COVID-19 no mundo, com 693.853 mortes registradas até o final de 2022. Apesar de representar apenas 2,7% da população global, o Brasil foi responsável por 10,3% das mortes globais por COVID-19 , o que significa que teve quase quatro vezes o número de mortes per capita em comparação com a média global.

Se a taxa de mortalidade do Brasil estivesse em pé de igualdade com a média global, mais de 512.000 vidas poderiam ter sido salvas no país. Isso destaca a magnitude da tragédia que se desenrolou durante a pandemia.

Surpreendentemente, os autores da carta não mencionaram esses pontos de dados concisos e altamente significativos. Dadas as suas posições durante este período, esta omissão levanta questões sobre a sua vontade de iniciar um diálogo construtivo.

Vale ressaltar que o Brasil tinha potencial para superar a média global em sua resposta à pandemia. O sistema universal de saúde do Brasil cobre todo o território e tem forte tradição de vacinação por meio do Programa Nacional de Imunização ( PNI ) . O PNI tem sido reconhecido internacionalmente por sua alta cobertura vacinal, levando à erradicação bem-sucedida do sarampo e da poliomielite na década de 1990. Notavelmente, em 2010, o Brasil vacinou com eficiência 88 milhões de pessoas contra a H1N1 em três meses, enquanto apenas 25 milhões de pessoas haviam sido vacinadas contra a Covid-19 naquele mesmo período em plena pandemia. O que marcou aquele momento foi a prontidão do governo em adquirir as vacinas necessárias, tomando decisões baseadas em evidências. Com isso, quando as vacinas foram disponibilizadas globalmente, elas já eram acessíveis à população brasileira. Isso contrasta fortemente com a situação das vacinas Covid-19, onde a disponibilidade e distribuição enfrentaram desafios significativos.

Até 2015, o Brasil serviu como modelo mundial de vacinação, mantendo excelentes índices de cobertura para diversas doenças, com a maioria ultrapassando 90%. No entanto, infelizmente, esses índices vêm caindo desde então, com queda mais significativa a partir de 2016. Reconhecendo a importância de abordar esse tema, o governo do presidente Lula, em menos de 100 dias, iniciou o Movimento Nacional pela Vacinação. O objetivo era restaurar as altas taxas de vacinação no Calendário de Vacinação, principalmente para eliminar novamente o sarampo e prevenir o ressurgimento da poliomielite. Além disso, o governo buscou ampliar a vacinação contra a Covid-19 e combater a disseminação de desinformação nas redes sociais. A comunicação tem-se tornado cada vez mais crucial, suscitando o envolvimento de diversas entidades, sociedades científicas, influenciadores e artistas, fomentando um esforço coletivo de toda a sociedade.

Outra questão significativa que surgiu durante o governo Bolsonaro foi a deterioração geral dos indicadores de saúde. A par da queda da cobertura vacinal para os níveis mais baixos desde 1995, verificou-se um aumento preocupante da taxa de mortalidade materna. Entre 2019 e 2021, a taxa passou de 55,3 óbitos por 100 mil nascidos vivos para 110,2 óbitos por 100 mil nascidos vivos. É crucial observar que as populações mais vulneráveis foram desproporcionalmente afetadas por esses desafios. Isso ficou evidente na tragédia humanitária que se desenrolou na região Yanomami, onde imagens chocantes chamaram a atenção do mundo.

Vídeo da rede de tv alemã DW sobre a emergência em saúde enfrentada pelo povo Yanomami

Além disso, a má gestão da pandemia resultou em queda significativa e prolongada de procedimentos não Covid produzidos pelo SUS. Embora ex-líderes do Ministério da Saúde tenham afirmado que o governo Bolsonaro a respeito de investimentos substanciais para o combate à pandemia, o fato é que o governo brasileiro não considerou a vulnerabilidade socioeconômica de estados desfavorecidos ao desgaste do sistema de saúde causado pela Covid-19 . Consequentemente, houve uma redução de 25% nos procedimentos diagnósticos e de tratamento, incluindo cirurgias complexas como as relacionadas à oncologia, neurologia e doenças cardíacas, afetando principalmente as regiões mais vulneráveis do país. [10]

A resposta desastrosa do governo federal teria sido ainda mais catastrófica não fosse a existência do SUS e a atuação proativa de municípios e estados. Apesar de enfrentar inúmeros desafios, o SUS teve um papel fundamental na assistência à saúde dos pacientes com Covid-19 em todo o país. Muitos governadores e prefeitos implementaram medidas efetivas para controlar a propagação do vírus, contribuindo para salvar vidas. Suas ações demonstraram a importância da liderança local e da tomada de decisão proativa na mitigação do impacto da pandemia. [11]

Equidade e Saúde da Mulher

O governo Bolsonaro foi caracterizado por seu ataque consistente aos direitos sexuais e reprodutivos. Uma ação notável do novo Ministro da Saúde foi a revogação de atos normativos relacionados à saúde mental e à saúde da mulher estabelecidos no governo anterior. Essas revogações incluíam portarias que prejudicavam a saúde reprodutiva e sexual das mulheres e sugeriam ações que poderiam ser consideradas violência obstétrica. Uma das portarias revogadas colocava obstáculos ao acesso ao aborto legal em casos como estupro, risco de vida da mãe e gravidez envolvendo feto anencéfalo. Esta reversão dos regulamentos levantou preocupações sobre a posição do governo sobre os direitos das mulheres e o acesso a cuidados de saúde reprodutivos abrangentes.

O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que foi criado em 1984 e passou por importantes melhorias ao longo de quatro décadas, enfrentou grandes desafios e rupturas durante o governo Bolsonaro. Iniciativas essenciais destinadas a abordar questões como a redução de cesáreas indiscriminadas, promoção da amamentação e oferta de educação sexual abrangente nas escolas para adolescentes foram severamente interrompidas ou atacadas abertamente. Essas ações não apenas prejudicaram o progresso alcançado na saúde da mulher, mas também impediram os esforços para promover os direitos reprodutivos, a igualdade de gênero e o bem-estar geral das mulheres no Brasil.

Nos primeiros 100 dias do governo Lula, ações significativas foram implementadas para melhorar a saúde da mulher. Uma dessas iniciativas é o Programa Menstrual Dignidade, garantindo o fornecimento de absorventes pelo SUS, ação que havia sido vetada pelo ex-presidente em outubro de 2021. Com investimento de R$ 83,6 milhões e compras centralizadas pelo Ministério da Saúde, mais de 8 milhões de mulheres serão beneficiadas com o programa. Foi instituído o Programa Nacional pela Igualdade de Gênero, Raça e Reconhecimento dos Trabalhadores do SUS, que abrange diversas ações voltadas para a promoção de um ambiente de trabalho mais saudável e de relações mais equânimes. Além disso, em março, foi lançada a Estratégia Nacional de Controle e Eliminação do Câncer do Colo do Útero. Essa estratégia incorpora novas tecnologias de triagem e diagnóstico, utilizando testes de PCR. Também prioriza a retomada da cobertura vacinal contra o Papilomavírus Humano (HPV), importante medida preventiva contra o câncer do colo do útero.

Foto: Ricardo Stuckert / PR

O retorno da Rede Cegonha (Programa de Atenção à Criança e à Maternidade) realinhou o Brasil com as melhores práticas em atenção neonatal, pois reintroduziu uma política anteriormente bem-sucedida e reconhecida internacionalmente. O governo Bolsonaro encerrou abruptamente esse programa sem consultar ou chegar a um acordo com estados, municípios e sociedade civil. Os serviços completos oferecidos pela A Rede Cegonha contempla o planejamento reprodutivo, prestando atendimento humanizado durante a gestação, parto e puerpério. Seu objetivo é garantir nascimentos seguros e promover o crescimento e desenvolvimento saudável das crianças durante seus dois primeiros anos de vida. Além disso, o programa visa reduzir os casos de violência obstétrica, fornecendo informações e alternativas para o parto que considerem as necessidades individuais das mulheres.

É uma acusação grave e infundada atribuir a duplicação da mortalidade materna no país durante a pandemia à política que tem se mostrado eficaz desde sua criação em 2011 e vem sendo implementada em diferentes governos, inclusive aquele em que os ex-ministros e ex-secretária serviram. Um estudo envolvendo a Fiocruz e várias universidades brasileiras e estrangeiras apontou vários fatores como causas, como a deterioração do acesso aos serviços de saúde e sua qualidade durante a pandemia, a inclusão tardia de gestantes e puérperas nos grupos prioritários para vacinação e a posterior suspensão de sua vacinação logo após a inclusão, entre outras questões.[12]

Emergência Yanomami, Mais Médicos e outros programas

Nos primeiros dias do novo governo, de 13 a 15 de janeiro de 2023, foi realizada uma Missão Exploratória de Emergência no território Yanomami situado na região amazônica, próximo à fronteira com a Venezuela. O objetivo desta missão foi avaliar as condições e desafios enfrentados pela população indígena em função da extensa atividade de mineração ilegal. As conclusões da missão confirmaram as alarmantes alegações de condições de vida severas vividas pelo povo Yanomami como resultado direto de práticas de mineração descontroladas. As consequências foram angustiantes, com desnutrição generalizada, inclusive entre crianças, e numerosos casos de contaminação por mercúrio devido às atividades de mineração.[13] Essas questões tiveram um impacto profundo em toda a comunidade, e as imagens chocantes capturadas durante a missão chamaram a atenção nacional e global.

Reconhecendo a urgência da situação, o governo Lula declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional em 20 de janeiro. Para enfrentar as complexas causas dessa crise humanitária, foi instituído um Comitê Interministerial, tendo o Ministério da Saúde desempenhado um papel vital em seus esforços. Como parte das iniciativas do comitê, um plano de nutrição foi desenvolvido em colaboração com as equipes locais, levando a avanços significativos nas condições de saúde das comunidades afetadas. Notavelmente, 78% das crianças acompanhadas passaram de desnutrição grave para um estado moderado, demonstrando a eficácia do plano nutricional implementado na estabilização de sua saúde.

Na atenção básica, uma conquista notável nos primeiros 100 dias de governo foi a reintegração e valorização do Mais Programa Médicos . Para suprir o déficit de profissionais de saúde, o governo pretende oferecer 15 mil novas vagas até o final de 2023, sendo mais de 6 mil vagas já em processo seletivo por meio de edital lançado em abril. A meta é chegar a um total de 29.000 médicos, reforçando significativamente os serviços de saúde.

Em contraste, o programa introduzido pelo governo anterior, Médicos pelo Brasil, não conseguiu cumprir seus objetivos, deixando 5.000 vagas não preenchidas nos últimos quatro anos. Por outro lado, Mais Médicos, implementado de 2013 a 2018, obteve resultados positivos, como demonstram estudos publicados em revistas científicas. [14] O programa teve um impacto significativo nos 4.600 municípios participantes, reduzindo a mortalidade infantil em 24,7% e contribuindo para a queda das taxas de mortalidade materna e infantil, bem como das internações hospitalares.

Outro esforço importante para melhorar a saúde da população foi o lançamento do Programa Nacional de Redução do Tempo de Espera para Acesso a Médicos Especialistas. Com investimento de US$ 120 milhões, o programa visa atender ao acúmulo de cirurgias eletivas, exames especializados e consultas médicas, agravado pela pandemia.

Outro pilar estratégico para o fortalecimento do SUS é fomentar o desenvolvimento do Complexo Econômico e Industrial da Saúde (Complexo Econômico e Industrial da Saúde – CEIS). Embora a saúde represente 10% do PIB, há um déficit comercial de US$ 20 bilhões. O governo pretende explorar esse potencial econômico e tem como meta produzir 70% dos bens de saúde demandados internamente pelo SUS nos próximos 10 anos. Isso inclui medicamentos, equipamentos, vacinas e outros suprimentos médicos.

A crescente ocorrência de violência nas escolas, fenômeno até então inédito no Brasil, tornou-se uma preocupação crescente. Embora as causas exijam uma investigação mais aprofundada, é evidente que os movimentos de extrema direita desempenharam um papel na promoção de uma cultura de ódio e violência. A saúde mental dos jovens também exige atenção. Para atender a essas questões, o novo governo criou a Secretaria de Saúde Mental e busca ampliar e reestruturar os serviços prestados pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), incluindo a criação de novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O objetivo é garantir uma atenção integral à saúde mental baseada em princípios científicos e no respeito aos direitos humanos.

A Tabela 1 apresenta um resumo das principais ações realizadas durante os primeiros 100 dias do novo governo em resposta aos desafios identificados pelo Governo de Transição. Inúmeras outras iniciativas poderiam ser citadas, como os avanços da saúde digital, a educação continuada dos profissionais de saúde e a aprovação do salário mínimo nacional para a enfermagem, uma reivindicação histórica da profissão.

Tabela 1. Principais problemas diagnosticados pelo Grupo de Trabalho de Saúde do Governo de Transição e principais ações do Ministério da Saúde nos primeiros 100 dias de Governo do Presidente Lula.

Situação encontrada Grupo de Trabalho de TransiçãoAções do Ministério da Saúde Primeiros 100 dias
Descontinuidade de programas, interrupção de políticas públicas e falta de orçamento para a implementação de ações essenciais de atendimento à população.A aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional garantiu R$ 3,3 bilhões para a continuidade de políticas públicas e a implementação de ações fundamentais como Farmácia Popular, Redução de Filas de Cirurgia, Programa Mais Médicos e Saúde Indígena.
Falta de estoque: 27,1 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 não puderam ser distribuídas em tempo hábil, resultando em uma perda de US$ 400 milhões. Suprimentos de saúde e doses próximas do vencimento.Esforços estão em andamento para regularizar os estoques e normalizar o abastecimento aos estados e municípios. Uma Campanha Nacional de Vacinação está sendo implementada para aumentar a cobertura vacinal, e a colaboração com os laboratórios fabricantes está sendo realizada para troca de suprimentos e medicamentos com datas de vencimento próximas.
Uma crise humanitária no território Yanomami resultou na falta de assistência à população indígena, levando à desnutrição e ao agravamento de doenças como malária e pneumonia.A declaração de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) foi feita e uma operação interministerial está em andamento para salvar vidas. Já foram realizados mais de 5.000 atendimentos e está em andamento a construção de um Centro de Referência para atendimento permanente em Surucucu .
Tem-se verificado uma diminuição da cobertura vacinal de todas as vacinas do Calendário Nacional de Vacinação, com particular preocupação com o risco de reintrodução de doenças como a poliomielite, que teve uma cobertura vacinal inferior a 57% em 2021. Falta de campanhas que realcem a importância da vacinação e a disseminação do ceticismo em relação às vacinas contribui para esse problema.O Movimento Nacional de Vacinação visa mobilizar o Governo Federal, a sociedade civil, entidades científicas, estados e municípios para retomar a alta cobertura vacinal. Isso inclui o renascimento de campanhas de promoção da vacinação e valorização da ciência e da eficácia das vacinas. Uma campanha coordenada contra desinformação também está sendo implementada para combater equívocos relacionados a vacinas.
Os recursos para a Atenção Básica permaneceram estagnados, deixando 72 milhões de brasileiros sem cobertura da Estratégia Saúde da Família (Atenção Primária à Saúde).    Para enfrentar esse problema, 57,8 mil equipes e serviços foram credenciados e habilitados na Atenção Básica, fortalecendo a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), com investimento de R$ 340 milhões. Solicitações de estados e municípios foram acumuladas nos últimos quatro anos, mas esforços agora estão sendo feitos para lidar com a acumulação e alocar recursos para expandir a cobertura.
A falta de coordenação nacional dentro do Ministério da Saúde tem sido uma preocupação.foram revogadas as normas anteriores que eram assinadas sem consenso com representantes do Conass (secretarias estaduais) e do Conasems (secretárias municipais). Esforços têm sido feitos para restabelecer o diálogo intergovernamental e a gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa abordagem visa promover a colaboração e a cooperação entre os diferentes níveis de governo nos processos de gestão e tomada de decisão relacionados à saúde.
Há um acúmulo de cirurgias e procedimentos eletivos desde a pandemia, e a falta de orçamento para estados e municípios realizarem mutirões tem levado ao agravamento dos problemas de saúde da população durante o tempo de espera por procedimentos.  Para resolver esse problema, foi implementado o Programa Nacional de Redução do Tempo de Espera para Acesso ao Especialista, com investimento de R$ 120 milhões. Estratégias locais foram pactuadas com estados e municípios e os recursos estão sendo liberados a partir da aprovação de planos estaduais de redução da fila. Até o dia 27 de abril , 16 estados tiveram suas propostas aprovadas e 12 receberam recursos, totalizando US$ 11,4 milhões. Esses esforços visam aliviar o atraso e fornecer assistência médica oportuna à população afetada.
Existem lacunas de saúde e regiões vulneráveis sem médicos, levando à falta de assistência médica para milhões de brasileiros. Mais de 5.000 vagas para médicos ficam sem preenchimento devido ao desmonte do Mais Programa Médicos e a criação do Médicos pelo Brasil , que não tem conseguido atender às necessidades de saúde do país.    Para resolver esse problema, o Mais O programa Médicos está sendo retomado com a expectativa de criar 15.000 novas vagas em 2023, incluindo 1.000 vagas destinadas especificamente para a Amazônia Legal. O primeiro edital foi lançado, oferecendo 6.200 vagas para preencher as lacunas de saúde em regiões vulneráveis. A iniciativa conta com 99% de adesão dos municípios contemplados, e o programa visa restabelecer o acesso à saúde para 96 milhões de brasileiros.
Os hospitais federais do Rio de Janeiro enfrentam falta de assistência e problemas estruturais. São leitos fechados, salas cirúrgicas sem uso, equipamentos quebrados, falta de medicamentos e um déficit de mais de 7.000 profissionais de saúde.Após fiscalização realizada pelo Ministério da Saúde, foi identificada a situação precária na prestação de cuidados de saúde. Com isso, medidas imediatas foram tomadas, incluindo a reabertura de 305 leitos nos 6 hospitais federais, reduzindo em 51% o número de leitos fechados. Além disso, foi criado um Grupo de Trabalho para desenvolver um plano de emergência e traçar ações futuras para enfrentar os problemas em questão. Essas medidas visam melhorar os serviços de saúde prestados pelos hospitais federais e garantir melhor atendimento à população.
Há uma descontinuidade nas políticas para as redes de atenção especializada, e um número significativo de serviços estaduais e municipais funciona sem recursos federais devido à demora nas autorizações do Ministério da Saúde. A falta de verba também está afetando os serviços prestados pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA).Até março de 2023, foram concedidas 179 autorizações para serviços de média e alta complexidade. Isso inclui a retomada de serviços como leitos de UTI, SAMU, home care, entre outros. Essas autorizações visam suprir as lacunas de financiamento e garantir a continuidade dos serviços essenciais de saúde à população.
Estagnação no crescimento e congelamento de financiamento dos programas que prestam serviços de saúde bucal na Atenção Primária (Equipas de Saúde Bucal) e na atenção especializada (Centros de Especialidades Odontológicas).    O programa Brasil Sorrindo ( Brasil Sorridente ) está sendo relançado. Isso inclui credenciar novas equipes de saúde bucal e estabelecer novos serviços. Com as novas autorizações, o Brasil passa a contar com 33,5 mil equipes atuando na Atenção Básica e mais de 5,6 mil serviços, garantindo cobertura para 111,6 milhões de brasileiros com acesso à assistência odontológica, desde a prevenção até o tratamento, incluindo próteses e aparelhos.
Desmantelamento de programas estruturais voltados para a redução da morbimortalidade materna na Rede Materno-Infantil. A rede de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual também foi prejudicada, assim como as políticas relacionadas à educação sexual e reprodutiva. Além disso, faltam programas que promovam a equidade no Sistema Único de Saúde (SUS).    Revogação de normativas que acarretavam retrocessos na atenção à saúde reprodutiva e sexual da mulher. A criação da Estratégia Nacional de Controle e Eliminação do Câncer do Colo do Útero, com investimento de R$ 3,6 milhões, tem como objetivo expandir o projeto de Recife para todo o estado de Pernambuco e planejar a expansão nacional. O Programa de Proteção e Promoção da Dignidade Menstrual garante a distribuição de absorventes higiênicos pelo SUS a 7,9 milhões de mulheres menstruadas. A criação do Programa Nacional de Equidade de Gênero, Equidade Racial e Valorização dos Trabalhadores do SUS visa promover a equidade de gênero e racial no sistema de saúde, valorizando a contribuição dos trabalhadores do SUS.
Tem sido preocupante o abandono da política de desenvolvimento produtivo e tecnológico visando à autossuficiência nacional em vacinas, medicamentos e dispositivos médicos produzidos por laboratórios públicos e privados.    Relançamento do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (GECIS). A agenda do Complexo Econômico-Industrial da Saúde está sendo retomada e a articulação institucional entre entidades públicas e privadas dos setores químico, farmacêutico, biotecnológico, mecânico, eletrônico, materiais, serviços e conectividade. Esses esforços visam expandir a pesquisa, inovação, desenvolvimento e produção de serviços de saúde, fomentando uma indústria de saúde mais robusta e autossuficiente no país.
O enfraquecimento e a descontinuidade da Política Nacional de Educação Permanente e a extinção da Mesa Permanente Nacional de Negociação do Sistema Único de Saúde (SUS) têm prejudicado as medidas voltadas à educação e proteção da força de trabalho da saúde, bem como dos gestores do SUS.A Mesa Permanente Nacional de Negociação no SUS está sendo restabelecida. Além disso, está sendo instituída a Comissão Interministerial de Gestão da Educação em Saúde para garantir a formação dos profissionais de saúde. Para apoiar os programas de residência, tem sido feita a publicação de editais pró-residência, oferecendo 963 bolsas de Residência Médica e 837 bolsas de residência multidisciplinar. Essas iniciativas visam fortalecer a educação, a capacitação e o apoio aos profissionais de saúde, fomentando um sistema de saúde mais robusto e eficaz.
O desmantelamento dos Programas Nacionais de Controle de Doenças, o enfraquecimento da coordenação técnica e a extinção de Comitês Técnicos Assessores compostos por especialistas no controle de doenças, como HIV/Aids, Influenza, Tuberculose, Dengue, Malária, Hanseníase, entre outras, têm sido preocupantes.  Está sendo instituído um Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Socialmente Determinadas. Essa iniciativa demonstra o compromisso do governo em estabelecer políticas arrojadas que melhorem a resposta brasileira às necessidades da população, principalmente daquelas que vivem com HIV/Aids, Hepatite B, Sífilis, Hanseníase ou Doença de Chagas. O comitê desenvolverá metas e estratégias para a prevenção, controle e eliminação dessas doenças, com o objetivo de melhorar a resposta geral de saúde e os resultados para os indivíduos afetados.
Fonte: elaborado pelos próprios autores .

Considerações finais:

Neste artigo, objetivamos abordar e rebater as alegações que consideramos carentes de base fática apresentadas na carta escrita pelo ex-Ministro da Saúde e Secretário da Atenção Básica. No entanto, somos obrigados a concordar com eles em um ponto. O termo “Terra Queimada” se encaixa perfeitamente para caracterizar o quadro caótico do setor de saúde no Brasil no final do governo Bolsonaro. E embora o uso do termo nos tenha sido atribuído, tal expressão não consta em nosso artigo original.

Os autores, que serviram a um governo de extrema direita, que foi encerrado pelo voto democrático, atribuíram o termo “terra arrasada” como justificativa para sua alegação de uma suposta maior deterioração da situação da saúde no Brasil. No entanto, as conquistas do curto período do governo Lula contradizem essa hipótese. Neste artigo, destacamos os esforços contínuos para relançar políticas bem-sucedidas que foram abandonadas anteriormente, bem como iniciar melhorias nelas.

A descrição do caos sanitário feita pelo Grupo de Transição é um diagnóstico realista, que busca alinhar as expectativas para a necessária reconstrução da “terra arrasada” que a saúde se tornou no Brasil, a ser feita de forma gradual e permanente.

Felizmente, o SUS demonstrou sua resiliência e agora está sendo reconstruído. Nesta tréplica, procuramos também destacar iniciativas estruturantes realizadas nos primeiros 100 dias de governo do Presidente Lula, que expressam o compromisso do atual Ministério da Saúde do Brasil em enfrentar os graves problemas diagnosticados pelo Governo de Transição.

Reafirmamos que neste momento decisivo da história do país, a democracia precisa ser defendida e reafirmada em todas as suas dimensões, inclusive na saúde.

A carta que motivou nossa resposta exemplifica o estilo de comunicação frequentemente empregado pelos movimentos emergentes de extrema direita. Mostra pouca consideração pelas evidências e pelo diálogo democrático, que idealmente deveria ser guiado pela busca da verdade por meio da troca honesta de ideias. Em vez disso, o objetivo principal é disseminar narrativas alinhadas aos interesses desses grupos, cujo crescimento ameaça os princípios do Estado Democrático de Direito e das políticas sociais inclusivas.

Atribuir aos governos do PT a aprovação de uma Emenda Constitucional que congelou os gastos públicos por um período de 20 anos, inclusive na saúde, demonstra um descaso com a verdade. Essa emenda foi proposta pelo presidente Michel Temer (2016 – 2018) ao Congresso Nacional após a turbulência política de 2016 que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff (2011 – 2016).[15] Mais do que isso, tal método em que mentiras, ou fake news, são sistematicamente disseminadas criando uma realidade distorcida que serve a agendas ocultas.

Embora seja necessário fazer um contraponto, consideramos esta uma oportunidade para aprofundar o exame da transição de governo no setor de saúde, conforme discutimos inicialmente em nosso artigo original. Preocupados com a resiliência das políticas públicas de saúde, propusemos estudar a transição de governo brasileira como um estudo de caso para aprofundar nossa compreensão de como os movimentos de extrema-direita podem desmantelar as políticas sociais. Esperamos que nossas contribuições possam servir como um alerta para outros países que enfrentam a crescente influência de movimentos de extrema-direita em todo o mundo. É crucial reconhecer como mudanças políticas dessa natureza podem impactar os sistemas nacionais de saúde universais e tomar as devidas precauções.

Referências:

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  2. Massuda A, Dall’Alba R, Chioro A, Temporão JG, Castro MC. Depois de um governo de extrema direita: desafios para o Sistema Único de Saúde no Brasil. A Lanceta. 2023 18 de março;401(10380):886-8.
  3. Castro, Márcia C.; Trindade, Nísia; Chioro , Arthur; Temporão, José Gomes; Costa, Humberto; Padilha, Alexandre; Massuda, Adriano. Restaurando saúde prioridades no Brasil . Ciência, v. 380, pág. 142-143, 2023.
  4. Raphael Camara Medeiros Parente , Marcelo Cartaxo Queiroga Lopes Filho . O Ministério da Saúde brasileiro que enfrentou maiores desafios até agora – Nossa gestão fortaleceu o Sistema Único de Saúde ao reparando uma pandemia e problemas do passado. Plano de Saúde Int J Gestão em 16 de abril de 2023; https://doi.org/10.1002/hpm.3645
  5. Abrucio FL, Grin EJ, Franzese C, Segatto CI, Couto CG. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública. 28 de agosto de 2020 ;54:663-77.
  6. Sachs JD, Karim SS, Aknin L, Allen J, Brosbøl K, Colombo F, Barron GC, Espinosa MF, Gaspar V, Gaviria A, Haines A. The Lancet Commission sobre lições para o futuro da pandemia de COVID-19. A Lanceta. 8 de outubro de 2022 ;400(10359):1224-80.
  7. Temporão, JG, COVID 19 NO BRASIL: ENTRE MITOLOGIAS E TRAGÉDIAS, Política Democrática – Revista de Política e Cultura – Brasília/DF :Fundação Astrojildo Pereira, outubro de 2021.)
  8. Brasil. Tribunal de Contas da União. Disponível em: //portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tomada-de-contas-especial-vai-apurar-desperdicio-de-insumos-e-vacinas-da-covid-19.htm
  9. Brasil. Senado Federal. Relatório Final da CPI da Pandemia; 2022. Acesso em 2022 dez 26. Disponível em: https://download.uol.com.br/files/2021/10/3063533630_relatorio_final_cpi_covid.pdf
  10. Bigoni A, Malik AM, Tasca R, Carrera MB, Schiesari LM, Gambardella DD, Massuda A. Funcionalidade do sistema de saúde brasileiro em meio à pandemia de COVID-19: uma análise de resiliência. The Lancet Regional Health- Americas . 1 de junho de 2022 ;10:100222.
  11. Rocha R, Atun R, Massuda A, Rache B, Spinola P, Nunes L, Lago M, Castro MC. Efeito das desigualdades e vulnerabilidades socioeconômicas na preparação e resposta do sistema de saúde à COVID-19 no Brasil: uma análise abrangente. The Lancet Saúde Global. 2021 junho
  12. FIOCRUZ Amazônia. Estudo aponta 70% de excesso de mortes maternas no Brasil na pandemia. https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-aponta-70-de-excesso-de-mortes-maternas-no-brasil-na-pandemia
  13. Castro MC, Peterka C. A malária está aumentando em áreas indígenas e de mineração artesanal na Amazônia brasileira. Medicina da Natureza . 2023 março 27:1-3.
  14. Brasil. Ministério da Saúde. Estudos comprovam que o programa apresentava mortalidade infantil em mais de 20%. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/estudos-mostram-beneficios-do-programa-mais-medicos-saiba-quais-sao
  15. REIS, AAC; SOTER, APM; FURTADO, LAC; PEREIRA, SSS Tudo a temer: financiamento, relação público-privada e o futuro do SUS. Debate Saúde . Rio de Janeiro, v. 40, n. especial, pág. 122-135, dez 2016. DOI: 10.1590/0103-11042016S11
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