Nereide Lúcia Martinelli
João Henrique Gurtler Scatena
Marta de Lima Castro
Nina Rosa Ferreira Soares
Simone Carvalho Charbel
Neuciani Ferreira da Silva Souza
Alba Regina Silva Medeiros
Delma Perpétua Oliveira de Souza

Ciência & Saúde Coletiva

Ainda que a regionalização tenha sido uma diretriz do Sistema Único de Saúde, desde a sua instituição em 1988, ela só se implementa no país, de forma ampla, a partir de 20001-3. No entanto, iniciativas e experiências exitosas em alguns estados, como Ceará, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso2,4-6, todas anteriores a 2000, evidenciavam que a regionalização seria o caminho para o SUS, como defendem Santos e Campos7.

O processo de regionalização no país avançou consideravelmente com o Pacto pela Saúde8. Publicações baseadas em pesquisa nacional multicêntrica sobre o processo de regionalização, no período dessa normativa, apontam mudanças importantes no exercício do poder, voltadas à política de saúde, destacando-se: introdução de novos atores, objetos, regras e processos, orientados por diferentes concepções e ideologias; relevância das Secretarias de Estado de Saúde na condução da regionalização com fortalecimento das suas instâncias de representação regional; criação de novas instâncias de coordenação federativa; revisão das formas de organização e representatividade dos Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS) e das Comissões Intergestores Bipartites (CIB); revisão de acordos intergovernamentais estabelecidos na descentralização2,9,10.

Foi no contexto do Pacto pela Saúde, de maior impulso à regionalização, que se deu, no âmbito do SUS, a discussão11 e a regulamentação para a organização de Redes de Atenção à Saúde (RAS)12. Tal temática foi ratificada com a edição do Decreto Presidencial 7.50813 que conferiu novo destaque à regionalização e às redes, estabelecendo instrumentos para sua efetivação.

A portaria que institui a RAS a concebe como “arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado”12. Isto implica na estruturação dos múltiplos pontos de atenção que a compõem e na integração/comunicação entre eles. Os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) devem ser apoiados e complementados por outros de diferentes densidades tecnológicas para a realização de ações especializadas (ambulatoriais e hospitalares), no lugar e tempo certos. As estratégias de integração garantem o conjunto de atributos que caracterizam um sistema de saúde organizado em rede, e nesta dinâmica a APS se destaca no papel de coordenadora do cuidado e de ordenadora da RAS12,14.

Outra pesquisa nacional multicêntrica, que investigou regiões selecionadas nas cinco macrorregiões brasileiras, entre 2014 e 2016, com enfoque específico em “Regiões e Redes” do SUS15, gerou relevante produção que, para além da grande diversidade nacional da oferta de serviços, das formas de sua organização e gestão, e da natureza de prestadores, apontou: fragilidades da APS em assumir seu papel de coordenação do cuidado16, também por influência de escassez, má distribuição e qualificação de profissionais17; importante circularidade de profissionais médicos, principalmente especialistas, interna e externamente às regiões18; concentração da assistência ambulatorial especializada em municípios-polo, com participação majoritária de prestadores privados na alta complexidade19; além da grande desigualdade espacial da assistência especializada, tanto ambulatorial quanto hospitalar20. Com base nesta pesquisa nacional, Viana e Iozzi21 agrupam os desafios que se colocam à implementação da regionalização em cinco grandes dimensões, entre elas a estrutura, que além de “insuficiente em recursos físicos, financeiros e humanos, é agravada pela extensão dos vazios assistenciais do país”21(p.7).

Especificamente no estado de Mato Grosso, entre 1995 e 2002 e de forma pioneira, deu-se um importante avanço na regionalização e na estruturação dos serviços de saúde, capitaneado pela Secretaria de Estado da Saúde (SES)22. Fomentaram tal avanço: a) a gestão estadual da saúde exercida por uma única pessoa (sanitarista histórico e defensor do SUS); b) a saúde concebida como política social prioritária e de Estado; c) o Plano Estadual de Saúde (PES) contemplando a regionalização; d) o fortalecimento das instâncias da SES nas regiões da saúde; e) a instituição de CIB Regionais; f) a criação de Consórcios Intermunicipais de Saúde (CIS); g) o estabelecimento de parceria com municípios e COSEMS; h) a instituição do Complexo Regulador; i) a elaboração do Plano Diretor de Regionalização (PDR); j) a criação de incentivos financeiros específicos; k) a implantação de hospitais regionais; l) a instituição de convênios com os setores públicos e privados para a oferta regional de serviços de média complexidade e UTI5.

No entanto, a partir de 2003, ainda que se mantivessem vários dos avanços citados, houve desaceleração e mesmo retrocesso do processo de regionalização, com grande rotatividade de gestores da SES, que deixou de exercer seu protagonismo na condução desse processo. Várias pesquisas2327, abordando distintas regiões deste estado, constataram, até 2013: baixa participação da SES nas questões relativas à regionalização da saúde; limitação e/ou atraso de repasse de recursos financeiros do estado aos municípios; não atualização do PDR e não estímulo à elaboração de Planos Regionais de Saúde; diminuição de acompanhamento e controle de hospitais regionais, com adoção de gestão por organizações sociais; valorização do prestador privado em detrimento de serviços públicos; redução de incentivos e coparticipação nos CIS.

Em 2012, atendendo à portaria ministerial de organização da RAS, a SES-MT inicia a formação de grupos condutores, principalmente da Rede Cegonha e da Rede de Urgência e Emergência (RUE), para a deflagração desse processo. Na mencionada pesquisa nacional sobre Região e Redes15, a região mato-grossense Baixada Cuiabana representou o Centro-Oeste. O relatório de pesquisa dessa região informa que a Rede Cegonha e a RUE foram as duas redes temáticas que, de alguma forma, avançaram. Além de muitos problemas de integração entre os pontos de atenção e da dificuldade da APS em exercer seu papel, o relatório também já apontava a estrutura como a dimensão que mais pesou no avanço da regionalização e implementação da RAS, destacando: baixo investimento na rede, insuficiência de recursos físicos e humanos e baixa cobertura da APS28.

Frente ao exposto, questiona-se como as redes de atenção foram estruturadas nas regiões de saúde deste estado e estão sendo operacionalizadas em algumas delas. O objetivo deste artigo é analisar aspectos da estruturação da rede de atenção à saúde nas regiões do estado de Mato Grosso e a narrativa sobre eles, de atores institucionais representantes da gestão, da prestação de serviços e da sociedade.

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