O Seminário Nacional de Consórcios Públicos e Regionalização do SUS, realizado nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2025 na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fiocruz, no Rio de Janeiro, marcou um momento de reflexão sobre o papel dos consórcios públicos na organização e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O evento reuniu gestores públicos, pesquisadores, trabalhadores da saúde, representantes de consórcios e acadêmicos em um diálogo profundo sobre as contribuições, desafios e inovações desses arranjos cooperativos no contexto federativo brasileiro. Com uma programação rica em debates e apresentações técnicas, o seminário evidenciou como os consórcios podem ser instrumentos fundamentais para a gestão integrada e regionalizada da saúde.

O primeiro painel, coordenado por Ana Luíza Dávila Viana, trouxe uma análise histórica e estrutural dos consórcios públicos de saúde no Brasil. Silvia Carla Azevedo Vieira Andrade, professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), destacou que os consórcios surgiram nos anos 1980 como resposta à necessidade de organização da atenção especializada, antes mesmo da Constituição Federal de 1988. Segundo ela, esses arranjos permitiram que municípios pequenos superassem limitações técnicas e financeiras, garantindo acesso a serviços de média e alta complexidade.

Dados de sua pesquisa, realizada em parceria com Luciana Dias Lima, revelaram que 81% das regiões geográficas imediatas do IBGE possuem consórcios de saúde, com exceção de Acre, Amapá, Amazonas e Roraima. A maioria (72%) é monofinalitária, focada exclusivamente na saúde, enquanto 30% atuam em áreas como educação e infraestrutura. Madeline Amorim, Especialista em gestão de serviços de saúde e diretora de consórcio no Ceará, exemplificou como o estado estruturou consórcios verticais para implantar policlínicas regionais, com cofinanciamento estadual e integração às regionais de saúde do SUS.

Daniela Cavalcante, secretária executiva da Associação dos Consórcios Intermunicipais de Saúde do Paraná, alertou para a burocracia e a fragmentação na gestão. Ela mencionou que, em seu estado, a atenção básica e a especializada ainda não dialogam efetivamente, limitando a eficiência das redes de saúde. Simone Afonso da Silva, geógrafa da Universidade Federal de Alagoas, criticou a desconexão entre os consórcios e políticas de desenvolvimento regional, apontando que planos estaduais de saúde frequentemente ignoram essas estruturas, perpetuando desigualdades.

O segundo painel, moderado por Luciana Dias de Lima, vice-diretora de Pesquisa da ENSP/Fiocruz, aprofundou as tensões federativas e os gargalos de governança. Luciana destacou que apenas 15% dos consórcios participam regularmente das Comissões Intergestoras Bipartite (CIBs) , enquanto 52% não participam, evidenciando uma lacuna na articulação entre consórcios e instâncias decisórias do SUS.

Maria da Conceição de Souza Rocha, secretária executiva do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Baixada Fluminense (CISBAF), trouxe à mesa a experiência do Rio de Janeiro. Ela explicou que os consórcios fluminenses, como o do Médio Paraíba, foram criados para resolver demandas comuns de municípios pequenos, mas enfrentam dificuldades devido à ausência de políticas estaduais claras . “Os planos estaduais de saúde sequer mencionam a palavra ‘consórcio público'”, afirmou, destacando que a sustentabilidade financeira depende quase exclusivamente de recursos municipais.

Lisandro Lui, professor da FGV, analisou a trajetória dos consórcios no Rio Grande do Sul. Ele ressaltou que, apesar de existirem desde os anos 1980, muitos operam sem coordenação estadual, resultando em duplicação de esforços e ineficiência . “No RS, municípios podem pertencer a múltiplos consórcios ou a nenhum, fragmentando a rede”, disse. Lisandro também criticou a terceirização de serviços , como exames e consultas, que, sem critérios técnicos claros, podem comprometer a integralidade do SUS.

Luiz Eugênio Portela Fernandes de Souza, diretor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), apresentou a experiência baiana, onde consórcios verticais ampliaram o acesso a exames especializados. No entanto, ele alertou para o subfinanciamento crônico e a necessidade de revisão do modelo de atenção à saúde. “Se não superarmos o curativismo, os consórcios serão apenas instrumentos de reprodução de iniquidades”, enfatizou.

Um tema transversal aos dois painéis foi a fragilidade do financiamento. Enquanto estados como Ceará e Bahia contam com cofinanciamento estadual, no Rio de Janeiro e no Paraná, os municípios arcam com custos de serviços especializados. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi citada como um obstáculo, uma vez que limita a contratação de pessoal e a manutenção de equipamentos caros, como tomógrafos.

Outro desafio é a participação social. Maria da Conceição destacou que consórcios como o CISBAF têm conselhos consultivos, mas a população ainda não participa ativamente das decisões. Já Simone Afonso defendeu que a regionalização da saúde deve estar vinculada a projetos de desenvolvimento regional, incluindo infraestrutura e educação, para evitar a reprodução de desigualdades.

Apesar dos obstáculos, os consórcios mostraram-se ferramentas indispensáveis para a organização de redes de saúde. No Ceará, por exemplo, policlínicas regionais realizaram mais de 350 mil mamografias em 10 anos , garantindo acesso a mulheres que antes dependiam de centros urbanos. Em Santa Catarina, modelos de regulação com filas únicas coordenadas pelos consórcios foram apontados como exemplos de eficiência.

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