Durante três dias, Salvador foi palco de um encontro internacional inédito sobre governança da saúde em sistemas federativos e descentralizados. Realizado entre 27 e 29 de maio de 2025, o Seminário Internacional “Governança da saúde em países federativos e descentralizados: experiências, trajetórias e lições para as políticas de saúde” reuniu pesquisadores, gestores e representantes de organismos multilaterais em torno de uma agenda comum: compreender como diferentes arranjos institucionais de federalismo e descentralização moldam as capacidades dos sistemas de saúde para enfrentar desigualdades, formular políticas e responder a crises.
O evento foi promovido pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), em parceria com a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Ministério da Saúde do Brasil e entidades representativas do controle social e da gestão do SUS. A programação foi dividida em painéis temáticos e oficinas de trabalho, com a participação de especialistas de 11 países: México, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Espanha, Venezuela, Bolívia, Chile, Colômbia e Peru.
Os dois primeiros dias do seminário foram dedicados à apresentação das experiências nacionais, agrupadas por região: América do Norte, Europa e América do Sul. Cada painel contou com três ou quatro países, que compartilharam seus modelos institucionais de organização da saúde, os desafios enfrentados na coordenação entre níveis de governo e os resultados obtidos em momentos de crise, como a pandemia de covid-19.
No painel da América do Norte, participaram representantes do México, Canadá e Estados Unidos. As apresentações abordaram desde a estrutura de financiamento tripartite canadense à segmentação institucional mexicana e à complexa configuração federativa estadunidense, onde estados e governo federal disputam protagonismo na regulação e provisão de serviços. O debate posterior ressaltou a diversidade dos modelos e a necessidade de mecanismos de cooperação estáveis para garantir o acesso equitativo.
O painel europeu reuniu especialistas da Alemanha, Itália e Espanha. A Alemanha apresentou seu sistema baseado em seguros sociais autogeridos, com alta segmentação entre prestadores. A Itália discutiu os efeitos da descentralização constitucional de 2001 sobre a equidade entre regiões, e a Espanha compartilhou os mecanismos de coordenação entre suas comunidades autônomas, como a carteira única de serviços e o uso de prontuário eletrônico interoperável. As três apresentações permitiram observar diferentes respostas a um mesmo dilema: como descentralizar sem abrir mão da coesão nacional.
A América do Sul foi representada por Chile, Colômbia, Peru, Venezuela e Bolívia, em dois momentos da programação. No painel “Governança Nacional e Subnacional na América do Sul”, Ernesto Bascolo (OPAS) apresentou o processo de construção coletiva de um novo marco conceitual para as Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS) na região, destacando os princípios de territorialização, governança compartilhada e maturidade progressiva das redes. No painel seguinte, Pedro Cruzado Puente compartilhou a experiência do Peru na implementação das RIS, com destaque para o papel da governança local, do prontuário eletrônico e da integração de serviços no primeiro nível de atenção.






Os países da América do Sul discutiram também o papel da regulação federal, os mecanismos de redistribuição territorial de recursos e a importância de pactos intergovernamentais duradouros para sustentar processos de regionalização e integração em sistemas historicamente fragmentados. Embora as trajetórias sejam distintas, o reconhecimento das desigualdades como problema político comum e a busca por formas mais democráticas de organização dos serviços unificaram o debate.
O terceiro dia do seminário foi dedicado à oficina de consolidação das experiências internacionais, em três grupos de trabalho. Cada grupo reuniu representantes de três ou quatro países, além de integrantes da OPAS, do Ministério da Saúde do Brasil, da Secretaria da Saúde da Bahia e das entidades representativas do SUS:
- O Grupo 1 reuniu Canadá, Alemanha, Chile, OPAS, MS, Sesab e Conass.
- O Grupo 2 contou com EUA, Itália, Peru, Colômbia, OPAS, MS, Sesab e Conasems.
- O Grupo 3 integrou México, Espanha, Venezuela, Bolívia, OPAS, MS e Conselho Nacional de Saúde (CNS).
As oficinas buscaram sistematizar os pontos de convergência e os desafios compartilhados entre países com arranjos federativos ou descentralizados, a partir de questões como: quais mecanismos de coordenação horizontal e vertical existem? Como funcionam os instrumentos de regulação e financiamento entre níveis de governo? Quais os papéis dos territórios na produção do cuidado? Como integrar redes de atenção respeitando a autonomia local? E que espaços de participação existem para a sociedade nas estruturas de governança?

Ao longo do evento, consolidou-se a percepção de que sistemas universais e equitativos só se sustentam em contextos federativos quando há pactos duradouros entre os níveis de governo, dispositivos de cooperação institucional e mecanismos de responsabilização mútua. A pluralidade dos modelos analisados demonstrou que não existe uma “receita ideal” de governança, mas que alguns princípios recorrentes — como coordenação intergovernamental, fortalecimento dos territórios e integração das redes — são comuns aos sistemas que conseguiram responder com mais coerência às demandas de equidade, qualidade e continuidade do cuidado.
Esta é uma cobertura especial produzida pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (ISC/UFBA) em colaboração com a Plataforma Região e Redes. Para compreender em profundidade os temas debatidos e as contribuições trazidas pelas delegações internacionais, é recomendada a leitura das reportagens específicas sobre cada um dos painéis. Esses textos apresentam com mais detalhe os modelos institucionais, os argumentos centrais e os dados discutidos durante as apresentações, oferecendo um panorama completo do que foi esse encontro internacional inédito sobre a governança da saúde em sistemas federativos e descentralizados.