Na Revista Saúde em Debate

Edivânia Lucia Araujo Santos Landim, Maria do Carmo Lessa Guimarães, Ana Paula Chancharulo de Morais Pereira

[accordion title=’Resumo’]Este artigo analisa a integração sistêmica da atenção à saúde da linha de cuidado do câncer de mama, no contexto da regionalização da saúde no estado da Bahia, sob a perspectiva da macrogestão. Estudo transversal retrospectivo, de natureza exploratória e descritiva, com uso da abordagem qualiquantitativa e referencial da rede de políticas públicas. Foram utilizadas as técnicas de análise documental, extração de dados dos sistemas de informação, entrevistas semiestruturadas com 141 participantes na coleta de dados. Elegeram-se como categorias analíticas: Desenho institucional da rede de oncologia; Atenção Primária à Saúde como porta de entrada e ordenadora da rede; Sistemas de apoio; e Sistemas logísticos. Os resultados sinalizaram que as normas, embora necessárias, não são per si suficientes para garantir a integração sistêmica; o desenho de redes de atenção à saúde tem seguido a lógica de estruturação por oferta, adensando-se nos grandes centros populacionais, gerando vazios assistenciais; predomina o acesso da população aos serviços não complementares ao Sistema único de Saúde (SUS) e/ou de alta densidade tecnológica, evidenciando a hegemonia do modelo médico-centrado e privatista; mecanismos de regulação do acesso e de gestão dos sistemas de informação ainda ocorrem de forma incipiente, com pouca e/ou esparsa interação entre si.

PALAVRAS-CHAVE Integração. Redes. Atenção à saúde.[/accordion]

Introdução

O desenho inicial do Sistema Único de Saúde (SUS), ao privilegiar a estratégia de descentralização sem integração regional, pulverizou e fragmentou a oferta de serviços, gerando vazios assistenciais no território brasileiro, ao mesmo tempo que fragilizou a capacidade dos governos estaduais, no tocante aos seus papeis de coordenador e regulador da rede de saúde1,2.

Com o propósito de aperfeiçoar a dinâmica político-institucional do SUS e de superar a fragmentação da atenção, o Ministério da Saúde (MS) publicou a Portaria nº 4.279/20103, que estabeleceu as diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS), tendo como objetivo a integração sistêmica das ações e serviços de saúde4,5.

Contudo, as linhas de integração dos serviços obedecem a lógicas territoriais que extrapolam as suas fronteiras. O processo encontra-se sujeito às ingerências do capital econômico e do poder político-partidário, acentuando as assimetrias nas relações de poder, com concentração de recursos e tecnologias em algumas regiões de saúde.

Acrescenta-se a forte presença do mix público-privado na oferta de serviços, a qual pode atuar como facilitador ou entrave na organização de redes integradas e regionalizadas6,7.

Embora o Decreto Presidencial nº 7.508/118 reafirme a importância da regionalização no seu arcabouço normativo, incluindo o planejamento e a assistência à saúde, a articulação interfederativa, a estruturação das RAS e a trajetória de institucionalidade do SUS têm mostrado que os instrumentos jurídico-normativos, ainda que sejam importantes, não são, per si, suficientes para superar as iniquidades do sistema de saúde e as desigualdades intra e inter-regionais do território brasileiro9. A reprodução da lógica de modelos homogêneos e inflexíveis, sem admitir a dimensão política desse processo, tende a superestimar o poder normativo para alterar cenários sociais e políticos institucionais.

Esses elementos de contexto geram constrangimentos à implementação e à gestão das RAS, conforme prevista pela normativa do SUS, defendida como alternativa conceitual e operacional, para a oferta de ações e serviços de distintas densidades tecnológicas, capazes de garantir a integralidade do cuidado, um dos princípios basilares do SUS. Além disso, tal situação imprime diferentes institucionalidades à estratégia de gestão regional das redes integradas de atenção à saúde, em âmbito nacional, o que torna o processo de integração sistêmica das ações e serviços de saúde um fenômeno político, complexo, plural e, ao mesmo tempo, singular.

Por sua vez, a materialidade da imagem-objetivo de um sistema de redes integradas de saúde tem-se mostrado difícil em sua implementação, demandando, portanto, estudos que contribuam para a sua efetiva implantação10. Nessa direção, pesquisa de revisão do estado da arte constatou a escassez de estudos empíricos nesse campo e afirmou o grande desafio para gestores e pesquisadores analisarem os efeitos da integração dos serviços de saúde11.

Entende-se que a integração sistêmica remete invariavelmente ao princípio constitucional de integralidade da atenção à saúde, equidade e universalidade do acesso.

Constitui-se ainda em uma prática social e em uma luta política pela reafirmação do projeto do SUS10,12, tensionando e imprimindo uma dinâmica entre o campo do instituído e do instituinte, do normativo e do experienciado cotidianamente nas organizações de saúde, nos seus modos de produzir saúde.

Diante do exposto, admite-se que a integração sistêmica das ações e dos serviços de saúde, no âmbito das RAS, consiste em redes interorganizacionais e intraorganizacionais, coordenadas e articuladas, para organizar serviços de diferentes densidades tecnológicas em uma região adscrita e gerir os distintos pontos de atenção à saúde que integram a linha de cuidado. A centralidade é o usuário, de forma a promover a acessibilidade geográfica e sócio-organizacional e garantir a integralidade do cuidado, observando as noções de espaço e tempo para intervenção oportuna13.

Embora a abordagem da gestão de redes de política induza à noção de coordenação e mediação de relações intra e interorganizacionais para formulação e implementação de políticas públicas, isso não significa afirmar que o campo organizacional seja destituído de uma intencionalidade e de relações de poder e posições entre seus distintos atores. Por outro lado, a integração das ações e dos serviços não pode ser vista como uma variável dicotômica da fragmentação10, mas como diferentes graus ou formas de institucionalidade, considerando-se a dimensão política, a dinamicidade e a mutabilidade do processo.

Os seguintes pressupostos nortearam este estudo: o desenho institucional de redes de atenção à saúde estrutura-se sob a lógica da oferta, gerando vazios assistenciais cujos mecanismos de regulação de acesso ainda ocorrem de forma incipiente, com pouca e/ou esparsa interação entre si, culminando por impulsionar o acesso da população à rede não complementar ao SUS; problemas gerenciais de concepção, interoperabilidade e defasagem dos dados comprometem a gestão integrada dos sistemas de informações.

Destarte, o objetivo deste estudo é analisar a integração sistêmica da atenção à saúde da linha de cuidado do câncer de mama, no contexto da regionalização da saúde na Bahia, sob a perspectiva da macropolítica.

A escolha dessa linha de cuidado decorre do fato de ser tratada como uma ação estratégica e prioritária do governo da Bahia, aliada ao processo de transição sociodemográfica e epidemiológica que vem ocorrendo no Brasil e no mundo, que resulta no envelhecimento da população e no aumento das condições crônico-degenerativas.

No Brasil, em 2018, estimou-se a ocorrência de 600 mil novos casos de câncer, sendo os mais frequentes os de próstata e de mama, respectivamente, com 68.220 casos em homens e 59.700 em mulheres14. A Bahia segue essa tendência, sendo o câncer de mama o de maior incidência em mulheres, constituindo-se na primeira causa de mortalidade no segmento feminino15.

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