Fabiola Sulpino Vieira | IPEA

O debate sobre o papel das emendas parlamentares (EPs) no financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil tem se intensificado devido ao aumento dos recursos alocados anualmente e seus impactos na organização do sistema e na oferta de serviços de saúde, dado o reconhecido subfinanciamento do SUS.

A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Legislativo competência para deliberação do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), além da fiscalização financeira e patrimonial dos entes federativos. A influência do Congresso é particularmente visível durante a análise do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), quando parlamentares realizam emendas que direcionam recursos a ações específicas em favor de entes federativos ou entidades privadas sem fins lucrativos.

As emendas ao PLOA devem observar três critérios: i) compatibilidade com o PPA e a LDO; ii) indicação de recursos mediante anulação de despesas, exceto as relativas a pessoal, dívida pública e transferências constitucionais; iii) correção de erros ou omissões no texto do projeto. Existem quatro tipos de EPs: individuais, de bancada estadual, de comissão e de relator.

A evolução regulatória dos últimos anos levou à criação do orçamento impositivo, estabelecendo a obrigatoriedade de execução de emendas individuais e de bancada. As emendas individuais representam 2% da receita corrente líquida (RCL) da União, enquanto as de bancada correspondem a 1%. Embora não obrigatória, a execução de emendas de relator tem se destacado, especialmente no setor de saúde, refletindo mudanças nas relações entre Executivo e Legislativo.

As despesas financiadas por EPs são contabilizadas para o cumprimento do piso federal em ações e serviços públicos de saúde (ASPS). O crescimento das alocações via EPs no orçamento do Ministério da Saúde (MS) tem gerado preocupações sobre seus efeitos na organização e financiamento do SUS. Embora as EPs individuais destinem 1% da RCL a ASPS, as de bancada estão limitadas a um teto de 50%, conforme a LDO 2024.

Estudos recentes analisam as consequências das EPs para a atenção primária (Vieira e Lima, 2022; Ulinski et al., 2024) e para a gestão municipal do SUS (Silva et al., 2024). Contudo, há lacunas sobre as implicações desse modelo para a regionalização da saúde, elemento central na organização do SUS.

A estrutura do SUS é organizada regionalmente, exigindo coordenação entre municípios em regiões e macrorregiões de saúde para assegurar a integralidade do cuidado, conforme previsto na CF/1988. Isso demanda articulação entre gestores e uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços, assegurando a eficiência e a qualidade na oferta.

Dada a fragmentação da oferta de serviços e a insuficiência de especialidades em muitos municípios, a integração entre aqueles com maior e menor capacidade é essencial para garantir a assistência adequada à população. Além disso, a organização regional permite maior eficiência econômica e melhora a qualidade dos serviços, uma vez que uma produção mais robusta aumenta a expertise na execução.

Entretanto, o aumento das alocações por EPs diretamente aos municípios, desconsiderando a lógica regional do SUS, levanta questões sobre a sustentabilidade e a equidade na oferta dos serviços de saúde. Assim, este estudo busca responder: i) quais são os recursos federais alocados por EPs para a atenção primária e especializada?; ii) quais as implicações dessas alocações para a universalidade e integralidade do SUS?

O texto é dividido em cinco seções: além desta introdução, a seção 2 apresenta os métodos empregados; a seção 3 expõe os resultados; a seção 4 discute as implicações encontradas; e, por fim, a seção 5 oferece considerações finais e aponta direções para pesquisas futuras sobre o impacto das EPs na organização do SUS.

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